Um mês da Chacina do Jacarezinho: pelo fim do regime de exceção nas favelas
Hoje faz um mês da chacina do Jacarezinho. Essa matança foi uma carta de apresentação deliberadamente escrita a sangue negro pelo novo governador do Rio, Cláudio Castro. Com esse espetáculo mórbido, o político bolsonarista quis satisfazer a sanha de quem aplaude a violência do Estado como suposta forma de obtenção da paz. Nem o antecessor de Castro, Wilson Witzel, autor da expressão “tiro na cabecinha”, protagonizou carnificina semelhante a do Jacarezinho. O governador defendeu o indefensável: respaldou a ação que, em dez horas, matou 28 pessoas e aterrorizou os moradores da favela da Zona Norte.
Na Operação Exceptius, o governo atuou à revelia da Constituição e dos tratados internacionais de direitos humanos. Castro pode vir a ser afastado do cargo por essa escolha pela barbárie racista e genocida. Nosso mandato notificou a ONU e a OEA das atrocidades cometidas no Jacarezinho. À ONU e ao Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) pedimos, por ofício, que venham ao Rio em missão urgente para acompanhar de perto as investigações e garantir que ocorram com lisura. O CNDH não só já respondeu positivamente como vai chegar ao Rio nesta semana para o acompanhamento direto das investigações. Demos também entrada em representação no MP estadual e no STF para a apuração das responsabilidades e para derrubar o sigilo que hoje vigora de cinco anos sobre as investigações referentes ao caso.
A chacina do Jacarezinho foi a maior já ocorrida na história do Rio, mas a matança do povo negro é sistemática. Segundo o Fogo Cruzado, houve 44 chacinas, com 170 mortos, em 2020, ano em que o ISP registrou, ao todo, 1.245 mortes em intervenções policiais. No primeiro trimestre deste ano, houve 453 desses homicídios. Em plena crise sanitária e socioeconômica, e na vigência da decisão do STF que suspendeu incursões em favelas, manteve-se no Rio a média de cinco mortos por dia. Esta é a média desde 1998, quando o Estado matou 20.535 pessoas, das quais 98,3% eram homens, 78,5% negros, 40,4% com 12 a 29 anos.
O derramamento do sangue negro nunca fez cócegas no poderio do crime organizado no Rio. O extermínio de gerações de jovens pobres jamais impediu o avanço do varejo do tráfico e das milícias, que hoje controlam mais da metade do território. Inteligência, investigação e estratégia seriam mais eficazes. Só que o governo insiste na política da morte, que mata também policiais, como o que morreu no Jacarezinho. Segundo o Ministério Público estadual, dos agentes mortos no Brasil em 2018, 26% eram do Rio.
Por tudo isso, precisamos e vamos insistir na cobrança da garantia de direitos e do combate estrutural à miséria como solução muito mais efetiva contra todas as formas de violência, inclusive contra a violência representada pela desigualdade e pela injustiça social. Não será com tiros de fuzil, mas com políticas públicas que se reduzirá o aliciamento da juventude para o trabalho precarizado e de risco no varejo do tráfico e nas milícias.
Fortalecer a mobilização popular em resposta ao recado sangrento de Castro é uma necessidade. Basta de genocídio negro! Essa não é uma luta só de quem vive na linha de tiro. É dever de toda a sociedade. Não dá para naturalizar o apartheid, o regime de exceção e todas as formas de expressão da necropolítica em nosso estado. Não podemos permitir que o governo patrocine o julgamento, a condenação e a execução sumárias de jovens que sequer conheceram em suas trajetórias direitos básicos como o próprio respeito às suas existências. A tão sonhada paz só será possível no Rio se a população das favelas e periferias for incluída. Ou a exceção permanente seguirá como a regra para os corpos negros.
Renata Souza é deputada estadual (PSOL), doutora em Comunicação e Cultura, presidente da Comissão Especial de Combate à Miséria e à Extrema Pobreza e vice-presidente da Comissão de Defesa da Mulher da Alerj
Alma Preta Jornalismo
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