Renata Souza, deputada: ‘A revolução será feminista e negra, ou não será’
Reeleita com 170 mil votos, Renata Souza foi a mulher mais votada para a Alerj: ‘Nossas demandas são urgentes, reais e dizem respeito à sobrevivência e à dignidade humanas’
Reeleita com mais de 170 mil votos, o que a transforma na mulher preta mais votada, Renata Souza, do PSOL, volta à Assembleia Legislativa do Rio com mais força, conhecimento e vontade de transformar: “Embora não seja fácil, sabemos que a nossa atuação consegue fazer a diferença. E isso acontece porque a luta é coletiva, é construída para muito além dos limites da institucionalidade, em articulação com os movimentos sociais organizados”. Seus temas de trabalho (combate ao racismo, enfrentamento das violências e criação de políticas voltadas às mulheres) vão na contramão da maioria, apesar de a oposição ter aumentado sua presença na Casa: “A Alerj seguirá majoritariamente machista, racista, LGBTIfóbica e elitista”
Em entrevista ao #Colabora, Renata – 40 anos, formada em Jornalismo, com doutorado em Comunicação e Cultura, e chefe de gabinete da vereadora Marielle Franco na Câmara – fala com franqueza sobre violência, feminismo, racismo estrutural e representatividade: “Nossas demandas são urgentes, reais e dizem respeito à sobrevivência e à dignidade humana”.
#Colabora – Em 2018, você foi eleita com 64 mil votos. Agora, conquista a vitória com mais de 170 mil eleitores. Você vê um amadurecimento da sua trajetória política, e por sua vez, um conhecimento ainda maior da população?
Renata Souza – Sim, certamente. Em 2018, a decisão pela candidatura foi tomada em um contexto emergencial, de trauma mesmo. A candidatura foi uma resposta necessária ao feminicídio político de Marielle Franco, minha amiga e companheira de lutas desde muito jovem. Marielle havia sido eleita vereadora em 2016 com 46 mil votos no contexto de um fenômeno nacional de ascenso do movimento feminista negro na ocupação do espaço da política. A eleição das sementes de Marielle foi uma forma de dizer que ela não seria interrompida, que não seríamos interrompidas nesse processo histórico. Novamente assumi uma tarefa não planejada em 2020, quando fui candidata à prefeita, no lugar de Marcelo Freixo, que havia então desistido de concorrer. Apesar dos fatores adversos, foi uma experiência de crescimento e de amadurecimento. Saí dessa campanha mais conhecida e mais votada do que quando entrei, inclusive na Zona Norte e não somente nos redutos eleitorais tradicionais da esquerda, localizados na Zona Sul. A nossa candidatura traz um elemento central na popularização das pautas e do perfil do PSOL.
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#Colabora – Qual é o sentimento de ter sido escolhida por 5.249 pessoas diretamente de onde você nasceu, a Maré?
A violência policial é a realidade cotidiana para quem vive na maior favela do estado. Costumo dizer que essa violência é – assim como a fome, o desemprego, o déficit de moradia e a falta de saneamento – expressão cruel da pobreza. Porque essa violência não se manifesta do mesmo modo em regiões onde vive a população de melhor condição financeira.
Deputada estadual reeleita
Precisamos levar em consideração que essa votação representa a superação de muitas dificuldades relacionadas a uma campanha feita numa favela atravessada por violência, inclusive do próprio Estado, por clientelismo e fisiologismo políticos, e por outras práticas de disputa nada éticas da velha direita e da extrema direita bolsonarista. Apesar disso tudo, tivemos esse resultado maravilhoso. Meu coração explode de alegria por ver essa votação como indicadora de um importante crescimento da consciência política do eleitor mareense. Essa nossa votação é um recado de que a nossa luta vai ser maior e que não vamos recuar.
#Colabora – Nesse sentido, quais são as pautas a serem trabalhadas e voltadas ao seu território? Dias antes da eleição, o conjunto de favelas chegou a ter uma operação policial que durou horas….
Há um movimento contínuo de crescimento e fortalecimento do feminismo negro de classe. Embora lento e construído na dor de tantas perdas violentas, esse avanço ocorre porque não temos para onde recuar. É por nossas vidas, pelas vidas das nossas crianças, companheiros e companheiras
Renata Souza
Deputada estadual reeleita
Renata Souza – Não considero tão baixo um índice de 46,7% de renovação. O problema não está no índice propriamente dito; está, sim, na qualidade dessa renovação. Infelizmente, o que vimos foi apenas uma substituição de quadros no campo da extrema direita e no da velha direita. A Alerj seguirá majoritariamente machista, racista, LGBTIfóbica e elitista. Lamentavelmente, nos 21% de deputadas mulheres, nem todas estarão comprometidas com as causas do feminismo de raça e classe que reivindicamos. Dos 70 parlamentares estaduais, teremos apenas 15 deputados localizados na esquerda ou centro-esquerda. Portanto, nunca foi fácil e ainda não será defender as nossas causas nessa Alerj. Vamos seguir no desafio de fazer acontecerem os debates que consideramos necessários e urgentes para uma transformação concreta da realidade do nosso povo, que não aguenta mais essa política que produz a riqueza infame de meia dúzia às custas de tanta miséria e violência contra a maioria da nossa população. Embora não seja fácil, sabemos que a nossa atuação consegue fazer a diferença. E isso acontece porque a luta é coletiva, é construída para muito além dos limites da institucionalidade, em articulação com os movimentos sociais organizados. As nossas demandas são urgentes, reais e dizem respeito à sobrevivência e à dignidade humanas.
#Colabora – A sua eleição, assim como a de Dani Balbi, Verônica Lima e Dani Monteiro mostram que a onda de mulheres pretas na política pode aumentar?
Renata Souza – Acredito que não se trate de uma onda, mas sim de uma demanda historicamente reprimida diante de uma política machista, racista e classista. Há um movimento contínuo de crescimento e fortalecimento do feminismo negro de classe. Embora lento e construído na dor de tantas perdas violentas, esse avanço ocorre porque não temos para onde recuar. É por nossas vidas, pelas vidas das nossas crianças, companheiros e companheiras. Ocupamos o espaço da política e fazemos dele o nosso quilombismo, nos termos defendidos por Abdias Nascimento, com uma estética e uma ética negra pautada na nossa ancestralidade africana. Não vamos voltar para a senzala. Somos mulheres na luta, em resistência e no enfrentamento a esse modelo de sociedade adoecido, violento, racista, machista e desigual. Construímos hoje as bases de uma futura revolução que será feminista e negra, ou não será.
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