‘Racismo não é tema que atraia atenção eleitoral’
Na primeira votação com mais candidatos negros do que brancos, Thales Vieira, do Observatório da Branquitude, critica a "sobrerrepresentação branca e masculina" no comando dos partidos e defende divisão mais equilibrada do dinheiro na campanha
O último dado disponível, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) do IBGE, afere que 56,2% dos brasileiros se declaram negros (46,8% pardos, 9,4% pretos) e 42,7% brancos – o 1,1% restante junta indígenas e amarelos. A conjugação das duas estatísticas insinua um cenário de mudança – mas muita calma nessa hora. O Brasil segue não sendo recomendável a ingênuos nem açodados.
Como na história do copo meio cheio ou meio vazio, cabem os dois olhares, observa o sociólogo Thales Vieira, coordenador-executivo do Observatório da Branquitude e ex-gestor de equidade racial do Instituto Ibirapitanga. Ele enxerga “com certa esperança um movimento político se configurando”, depois do fechamento de espaços aos negros, nos governos Temer e Bolsonaro.
O retrocesso obrigou à correção de rumo – e os negros se voltaram para o Legislativo, dedicando-se à competição eleitoral para participar do jogo político. “Começou com o Quilombo nos Parlamentos, que virou a Coalizão Negra por Direitos, gestando uma série de candidaturas”, narra Vieira, citando o professor Luiz Augusto Campos, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj. “A estratégia do movimento negro, nos governos Lula e Dilma, olhou muito para ministérios e autarquias, buscando influenciar no poder Executivo para o estabelecimento de projetos sociais. Agora, precisou mudar”.
Jamais por acaso, o racismo não está entre as agendas eleitorais relevantes. “Não é tema que atraia a atenção do público”, lamenta o coordenador do Observatório da Branquitude, citando o famoso dilema do biscoito (bolacha, em São Paulo): os partidos não apostam porque não é eleitoralmente relevante, ou não é eleitoralmente relevante porque os partidos não apostam. “A grande verdade é que raça nunca foi um ativo eleitoral fundamental. O Rio até se comporta como exceção, por ter votado em Benedita da Silva, Caó, Edson Santos, Jurema Batista, Marielle Franco, mas segue politicamente conservador”.
E as demandas raciais ainda enfrentam a presença de candidatos como o negacionista Sergio Camargo, trágico ex-presidente da Fundação Palmares, candidato a deputado por São Paulo. O Partido Novo quase não tem candidaturas negras, integra aquela turma que minimiza a importância das questões de raça. “É porque não quer tratar disso”, constata o sociólogo, lembrando que análise do governo Maluf em São Paulo, após o Censo de 1980 mostrar aumento da população negra. “Eles avaliaram que seria um perigo eleitoralmente, porque os negros dominaríamos a política. Vem de longe o medo das elites brancas de os negros serem fundamentais para definir as eleições. O que falta agora é a virada, votar em bloco e em candidaturas viáveis”, prega ele.
Até chegar o dia em que o Brasil terá o Partido Negro, ideia que motiva um sorriso em Thales Vieira. Mas ainda é sonho distante. “As pautas não chegam na direção dos partidos, mesmo os mais progressistas”, lastima. Se tudo der certo no próximo domingo, vem aí um governo progressista – mas, aposta o sociólogo, sem o número de ministros negros que reflita a proporção na população brasileira. “Serão dois ou três no máximo”, prevê, “e jamais em grandes pastas, como política, economia, educação”. Também por isso, a fundação do partido seria importante, mas não adiantará se não for eleitoralmente viável.
Thales Vieira, do Observatório da Branquitude: “O sonho está na rua e o movimento para aumentar a quantidade de candidaturas negras comprometidas é super importante”. Foto divulgação
O avanço atual tem a influência, avalia o sociólogo, das políticas de acesso ao ensino superior, como as cotas e o Prouni. Uma correlação direta seria exagero, mas Vieira lembra que democratizar a entrada na universidade significa também impulsionar trajetórias. Daí, mandatos como os de Talíria Petrone (deputada federal pelo PSOL-RJ) e Renata Souza (estadual pelo mesmo partido) além, claro, de Marielle. Nesse tema, o racismo acabou reduzido à extrema-direita, que tenta tirar a cor da pele dos critérios para o benefício. Mas inexiste projeto que defenda o fim da lei 12.711.
De qualquer jeito, o fato de o eleito ser negro não garante que a questão racial seja pauta para ele. “O trabalho é chamar essas pessoas para perto, trazer essas almas”, defende Vieira, acrescentando que nos Estados Unidos é mais fácil, porque os negros são menos de 15% da população e pela forma como o racismo se estruturou por lá. “É possível enxergar um comportamento eleitoral, que, aliás, foi fundamental para a derrota do Trump. No Brasil, com o projeto vencedor do mito da democracia racial, as identidades ficaram mais fluidas e torna mais difícil o senso de comunidade”.