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Por mais acolhimento das mulheres que amamentam – Por Renata Souza

O machismo estrutural cerceia a autonomia sobre os nossos corpos. A objetificação e a sexualização também impactam para reforçar o estigma e preconceito frente ao nosso direito de amamentar livremente

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Por mais acolhimento das mulheres que amamentam – Por Renata Souza

O machismo estrutural cerceia a autonomia sobre os nossos corpos. A objetificação e a sexualização também impactam para reforçar o estigma e preconceito frente ao nosso direito de amamentar livremente

Os impactos da maternidade são elementos centrais em como as desigualdades atravessam a vida das mulheres. Os marcadores de classe e raça produzem experiências e vivências específicas e diversas de maternar, em que estas desigualdades não raro se aprofundam. Gestar e nutrir uma vida, se por um lado são cuidados essenciais para o futuro da sociedade, por outro, são cuidados que romantizam o lugar das mulheres na divisão de tarefas familiares e que hierarquizam o nosso valor na sociedade. 

São incontáveis os entraves e desestímulos que nós mulheres encontramos para amamentar em livre demanda e no tempo recomendável e desejado por nós e nossas crias. Amamentar sem o conhecimento e orientação sobre o manejo correto pode envolver dor e lesões nos mamilos. A falta de apoio do parceiro e familiares na rotina da amamentação pode afetar a nossa saúde mental a ponto de desistirmos por estafa ou depressão. A medicina nos empurra fórmulas artificiais de aleitamento que fazem menos bem a nossa saúde e a dos bebês do que aos interesses de lucro de laboratórios e de patrões ansiosos por nosso pronto retorno ao trabalho. Somos julgadas por amamentar nossas crias por um tempo muito prolongado — muitas mães são repreendidas socialmente por estarem amamentando suas crianças de 2 anos ou mais. Sofremos constrangimento e discriminação por amamentar nos espaços públicos.

O machismo estrutural na nossa sociedade cerceia a autonomia sobre os nossos corpos. A objetificação e a sexualização também impactam para reforçar o estigma e preconceito frente ao nosso direito de amamentar livremente em quaisquer espaços, embora sejam inegáveis os inúmeros benefícios da amamentação: o leite materno protege contra doenças como diarreia, infecções, obesidade infantil, principalmente as respiratórias. O risco de asma, diabetes e obesidade é menor. Pesquisas recentes indicaram que os anticorpos para Covid-19 podem passar por meio do leite, o que impulsionou bem sucedida campanha para que mulheres lactantes fossem incluídas no Plano Nacional de Imunização pelo Ministério da Saúde.

Os benefícios da amamentação se estendem às mães, como a proteção maior contra o câncer de mama, de ovário, e o risco de uma hemorragia após o parto é reduzido. Evita a osteoporose e protege contra doenças cardiovasculares, como o infarto, hipertensão arterial e colesterol alto. Faz o útero voltar ao tamanho normal mais rápido e diminui o sangramento, prevenindo a anemia materna. O aleitamento materno exclusivo também atrasa o retorno do período menstrual da mãe, o que pode ajudar a prolongar o tempo entre gestações. 

Com a liberação de hormônios de prolactina e ocitocina, a amamentação promove sentimento de amor e vínculo com o bebê. Mas amamentar não pode ser idealizado socialmente como um ato de amor, pois isso significa colocar toda a responsabilidade na conta da mulher quando há o insucesso da amamentação. Há mães que não amamentam, mas isso não significa que faltou amor. Faltou o apoio do parceiro, da família, da cultura, da empresa empregadora. Faltou políticas públicas, acolhimento, o manejo adequado para resolução da dor e dos desafios.

Não podemos romantizar a amamentação, sob pena de culpabilizar as mulheres individualmente por uma responsabilidade que deve ser coletiva e das políticas públicas de Estado para a promoção do aleitamento materno. Quando a amamentação falha, é porque falhou toda uma política de Estado, da assistência de saúde à rede de apoio, ou seja, a sociedade inteira falhou. Ter condições de amamentar com acolhimento e dignidade não deveria ser privilégio de poucas.

No Brasil, o mês de agosto passou a ser dedicado ao Aleitamento Materno por força da Lei nº 13.435/2.017. No Rio, acaba de ser sancionada lei de minha autoria que instituiu em nosso estado o Agosto Dourado, em alusão ao fato de o leite materno ser considerado um líquido que vale ouro para os bebês. O projeto prevê a promoção de ações que tenham como objetivo de sensibilizar e conscientizar a população quanto aos benefícios do aleitamento materno, tais como campanhas em transportes coletivos, estímulo a decoração e iluminação de prédios públicos na cor dourada dando visibilidade a campanha, bem como ações de mamaço coletivo para sensibilizar a sociedade ao enfrentamento ao estigma da amamentação nos espaços coletivos.

Precisamos lutar pela aplicação da Lei do Agosto Dourado para fazer acontecer políticas públicas capazes de tornar a sociedade mais acolhedora e inclusiva para as mulheres, sobretudo as mais vulneráveis por seus atravessamentos de classe e raça.

*Renata Souza é deputada estadual, doutora em Comunicação e Cultura, vice-presidente da Comissão Permanente da Mulher e Presidente da Comissão Especial de Enfrentamento à Miséria da Alerj.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum

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