O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, disse que não cabe a ele "fazer juízo de valor nem muito menos tecer qualquer crítica" à ação de militares do Exército que dispararam 80 tiros de fuzil contra um carro no último domingo (7/4), em Guadalupe, na Zona Oeste da capital fluminense, matando uma pessoa e deixando outra ferida.
"Não sou juiz da causa. Não estava no local. Não era a Polícia Militar. Quem tem que avaliar todos esses fatos é a administração militar. Não me cabe fazer juízo de valor e nem muito menos tecer qualquer crítica a respeito dos fatos. É preciso que a auditoria militar e a Justiça Militar e o Exército façam as devidas investigações. E eu confio nas instituições", disse o governador — que foi oficial da Marinha — ao jornal O Globo.
O porta-voz da Presidência da República, Otávio Rêgo Barros, disse que o presidente Jair Bolsonaro também "não comentou" a morte. Questionado sobre o episódio, Rêgo Barros limitou-se a dizer que Bolsonaro "confia na Justiça Militar, nos esclarecimentos que o Exército dará por meio do inquérito e espera que eventos de igual similitude não venham a ocorrer".
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De acordo com a família, Evaldo seguia para um chá de bebê, na companhia da mulher, Luciana Nogueira, de 41 anos, do filho de 7 anos, do sogro e de uma amiga da esposa, quando o carro em que estava foi alvejado por 80 tiros de fuzil. O músico foi atingido por três disparos e morreu na hora. O sogro, Sérgio Gonçalves de Araújo, recebeu um tiro nas costas e outro no glúteo e foi levado ao Hospital Albert Schweitzer.
(foto: Reprodução)
Ao reconhecer o corpo do marido no Instituto Médico Legal (IML), Luciana afirmou que os militares ainda "ficaram de deboche" após o assassinato: "Por que o quartel fez isso? Eu disse, amor, calma, é o quartel. Ele só tinha levado um tiro, os vizinhos começaram a socorrer. Eu ia voltar, mas eles continuaram atirando, vieram com arma em punho. Eu coloquei a mão na cabeça e disse: ‘Moço, socorre meu esposo’. Eles não fizeram nada. Ficaram de deboche. Tem um moreno que ficou de deboche e rindo".
O delegado Leonardo Salgado, titular da Delegacia de Homicídios, disse que, "tudo indica" que o veículo tenha sido confundido com o de criminosos. Em nota, o Comando Militar do Leste — responsável pela atuação do Exército no Rio de Janeiro — informou que as informações iniciais davam conta de que "a tropa teria reagido a uma agressão oriunda de criminosos a bordo de um veículo". Porém, tal versão não se comprovou e os militares foram imediatamente afastados e levados para prestar depoimento. Dos 12 ouvidos, dez foram presos em flagrante, "em virtude de descumprimento de regras de engajamento". Agora, eles estão "à disposição da Justiça Militar da União".
Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), a deputada estadual Renata Souza (PSOL) disse que pretende entrar com uma representação para que o Ministério Público Federal e a Polícia Civil investiguem a morte. Ela lembrou ainda que a morte de Evaldo não foi a única provocada por militares nos últimos dias. Na sexta-feira (5/4), Christian Felipe Santana de Almeida Alves, de 19 anos, foi morto com um tiro nas costas por militares do Exército durante blitz na Estrada Pedro de Alcântara, em Realengo, na Zona Oeste do Rio. Ele estava na garupa da moto pilotada por um amigo de 17 anos. O Comando Militar do Leste informou, na ocasião, que os jovens não obedeceram à ordem de parada e furaram o bloqueio. A família contesta a versão.
No ano passado, o estado do Rio de Janeiro passou por um período de intervenção federal na segurança pública. Decretada pelo então presidente Michel Temer em fevereiro, a intervenção teve fim em dezembro, quando também expirou uma Garantia da Lei e da Ordem, que dava poder de polícia às Forças Armadas. A participação de militares na morte de Evaldo, porém, se deve, segundo o CML, pela região estar em um perímetro de segurança de uma vila militar.
Especialistas consultados pelo Correio fazem uma avaliação negativa do uso do Exército na segurança pública. Consultor e ex-secretário nacional de Segurança, o coronel José Vicente da Silva destacou que a resolução de conflitos faz parte do treinamento, do procedimento e da rotina do policial militar. O mesmo, porém, não ocorre com os soldados do Exército. “Esse caso não foi o primeiro. O pessoal do Exército, quando fala em ir para a rua fazer papel de segurança pública, não tem a técnica para resolução de conflitos, que a PM aprende na academia e na rotina”, ressaltou.
Outra técnica errada do Exército, segundo o especialista, é a de atirar em caso de furo de bloqueios. “Em algumas circunstâncias, situações de rua, não se atira. Não se atira em alguém fugindo, não se atira em alguém que rompe uma barreira, a não ser que estejam atirando contra os militares. O simples fato de fugir, mesmo que sejam bandidos armados, não configura legítima defesa.”
Pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência e Segurança Pública da UnB, Maria Stela Grossi concorda. “É complicado usar o Exército para a segurança pública, pois eles têm um preparo diferente, com outros objetivos. Eles estão preparados para guerra, defesa da nação, ou conflitos internos, e não para trabalhar nas ruas. É disfuncional, inapropriado. A população não pode ser vista como inimiga.”
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“Nos casos do fim de semana, fica nítida a falta de formação. Eles suspeitaram que era um carro roubado e partiram para o confronto, sem fazer uma averiguação? Dispararam mais de 80 tiros para uma situação suspeita, sem confirmação?”, frisou Grossi. “Esperamos que essas tragédias sejam suficientes para mostrar que o Exército não deveria ter esse tipo de função.”
Com informações da Agência Estado
Correio Braziliense