‘Marielle, presente.’ O legado da vereadora na ‘luta por nova sociedade’
Herdeiras políticas mantêm vivas as pautas de Marielle, mulher, negra, mãe e cria da favela, como ela se identificava, ao mesmo tempo que a vereadora, assassinada há cinco anos, se tornou referência para os que defendem os direitos humanos e a justiça social
São Paulo – Os tiros que tiraram a vida da vereadora Marielle Franco, há exatamente cinco anos, interromperam de maneira precoce uma trajetória política ascendente, mas não silenciaram as pautas que a parlamentar representava. Quem destaca seu legado são suas herdeiras políticas, as “sementes de Marielle que, inspiradas na luta em defesa dos direitos humanos e da justiça social da ativista, assumiram a ação política desde o 14 de março de 2018.
“Marielle era grande demais para que uma só pessoa representasse toda a sua luta. A grandeza da Marielle representa a luta por uma nova sociedade. E o principal recado deixado por ela é que a humanidade não se desumanize. Marielle é presente em todas as lutas contra as desigualdades sociais, em especial contra as desigualdades de gênero, raça e classe”, destaca a deputada estadual Renata Souza (Psol-RJ). Hoje parlamentar, Renata é uma das três assessoras diretas de Marielle que assumiram mandatos como deputadas estaduais em 2019.
É o caso de Dani Monteiro e Mônica Francisco, que também fizeram parte da bancada do Psol na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Na eleição seguinte, em 2022, Renata e Dani ainda tiveram aumento expressivo de votos. A primeira saiu de 63.937 para 174.132 votos. Dani também cresceu, de 27.982 para 50.140 votos. Igualmente negras e oriundas de favelas, como Marielle, Renata e Dani estão também entre as 44 pessoas eleitas, no ano passado, com as diretrizes da Agenda Marielle Franco.
Uma luta política
Um projeto, criado em 2020, que reúne um conjunto de compromissos políticos inspirados no legado da vereadora. Como antirracismo, feminismo, direitos LGBTQIAP+, saúde e educação pública, justiça ambiental e climática, além de demandas de moradores de favelas e periferias. “Que a gente sinta afeto pelo outro, para garantir que a vida seja plena para qualquer pessoa, seja ela mulher, negra, pobre, indígena, quilombola, caiçara, seja a população LGBTQIA+. Que a gente possa ter esse nível de humanidade que a Marielle tanto nos ensinou”, resume Renata Souza.
A viúva de Marielle, Mônica Benício, também assumiu os projetos da companheira na Câmara Municipal de Rio de Janeiro. Em 2020, ela foi eleita com quase 23 mil votos, numa campanha baseada na defesa dos direitos humanos e nas demandas das pessoas LGBTQIAP+.
“Hoje, o sentido da minha luta é justamente para que ninguém sinta uma dor parecida com a que eu senti naquele momento. Isso é um pouco do que norteia o meu fazer tanto na política institucional, quanto no meu fazer de militante”, observa Mônica. “Lutar pela memória da Marielle fala também sobre um lugar que não é só o da minha companheira, mas de todos os aspectos que envolvem hoje a imagem dela de representação, de luta, de esperança. Essa imagem da luta política também é uma imagem que me dá esperança em um mundo melhor, me dá esperança em entender que a Marielle continua em algum lugar”.
Homenagens em todo o mundo
Este dia 14 de março também se tornou “Dia Marielle Franco – Dia de Luta contra o genocídio da Mulher Negra” no calendário oficial do estado do Rio. A data também pode virar nacional caso o Congresso aprove um projeto de lei, enviado pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no último dia 8. Nesses cinco anos, o rosto da vereadora passou a estampar murais e grafites em diferentes partes do Brasil, geralmente acompanhados de pedidos de justiça. A luta de Marielle também foi reconhecida internacionalmente, do Quênia, à Itália, França, Portugal, Argentina, Alemanha, aos Estados Unidos e Holanda.
“Quando veio a primeira homenagem internacional, eu me lembro perfeitamente da surpresa que eu tive. Mas eu comecei a entender um pouco a missão da minha irmã aqui”, comenta a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco. “Eu acho que a Mari passou por isso para abrir muitos caminhos. Passou por isso para trazer uma visão fortalecida para as mulheres, principalmente para as mulheres negras, mas para todas as mulheres que se reconheciam nela e na luta. Eu acho que ela virou onipresente”, destaca sua irmã.
A trajetória de Marielle
Nascida em 27 de julho de 1979, a filha de Marinete da Silva e Antônio Francisco da Silva Neto frequentemente se descrevia como “mulher, negra, mãe e cria da favela”. Ela cresceu no Conjunto Esperança, no Complexo da Maré, na zona norte da capital fluminense. Desde cedo, as desigualdades que a cercavam acirraram seu desejo de militar em defesa dos direitos humanos. Por meio dos estudos, Marielle encontrou uma possibilidade para lutar contra as injustiças históricas. Formada em Ciências Sociais, com bolsa integral, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), a parlamentar era também mestra em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
O título foi garantido com a dissertação UPP: a redução da favela a três letras, que mostrou as contradições na atuação das unidades de polícia na segurança pública. Em 2016, Marielle ainda foi eleita vereadora com a quinta maior votação da cidade. Seu assassinato, porém, interrompeu um mandato ativo.
De acordo com levantamento da Câmara Municipal do Rio, em 13 meses de mandato, a parlamentar se envolveu oficialmente em 118 proposições na casa, entre projetos, moções, requerimentos, ofícios e emendas. Em destaque estão 17 projetos de lei. Oito deles foram iniciados apenas por ela. E outros oito em conjunto com outros vereadores e um pela Comissão de Defesa da Mulher, da qual era presidente.
“O ativismo dela como mulher, o ativismo dela como coordenadora dos direitos humanos por mais de 10 anos, já dizia o quanto ela era importante na vida de cada um e ela passou a ser um ícone da história”, destaca a mãe, Marinete. “Marielle vai ser sim um ícone além do tempo. E vamos resistir. A família resiste, o Instituto Marielle resiste, as mulheres negras resistem”, garante.
Rede Brasil Atual