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‘LGBTQIA+ são os primeiros a serem hostilizados pelas forças com arma em punho’, diz Renata Souza

Deputada que mais propôs PLs próLGBTQIA+ desde 2019, Souza fala do desafio na atuação na Alerj

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‘LGBTQIA+ são os primeiros a serem hostilizados pelas forças com arma em punho’, diz Renata Souza

Deputada que mais propôs PLs próLGBTQIA+ desde 2019, Souza fala do desafio na atuação na Alerj

 

Em 2018, Renata se candidatou a uma vaga na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) e foi eleita com 63.937 votos. Em 2022, foi reeleita com recorde: 174.132 pessoas fizeram dela a parlamentar mais votada da história do Rio.

Seu pioneirismo também se estende à carreira acadêmica. Renata foi a primeira de sua família a entrar para a universidade, formando-se em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), com bolsa de estudos integral. Depois, fez mestrado e doutorado em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Sua tese de doutorado, defendida em 2017, fala da resistência da juventude frente à militarização da vida na Maré.

Nesta entrevista, a parlamentar diz que trabalha em prol da população favelada e periférica, considerando as intersecções de classe, raça, gênero e orientação sexual que a atravessam. Não à toa, de acordo com levantamento da Diadorim, desde 2019, ela é a deputada que mais propôs projetos pró-LGBTQIA+ em todo o Brasil: foram 17. Destes, 14 ainda tramitam, dois foram arquivados e um aprovado.

A matéria aprovada cria o Programa de Prevenção ao Suicídio e Promoção do Direito aos Serviços de Saúde Mental para pessoas LGBTQIA+ no estado do Rio de Janeiro.

As arquivadas buscavam incluir o Dia Marielle Franco no calendário oficial do estado e obrigar a iluminação de prédios públicos nas cores da bandeira LGBTQIA+ durante junho, o Mês do Orgulho. A primeira foi arquivada porque o 14 de março já consta no calendário oficial como “Dia Marielle Franco – Dia de Luta contra o genocídio da Mulher Negra”, e a segunda, porque a decisão é de competência do Executivo.

Os textos propostos por Renata Souza que ainda estão em tramitação buscam desde a inclusão do Dia da Visibilidade Bissexual no calendário oficial do Rio até pautas caras à comunidade trans, como o uso de banheiros públicos de acordo com a identidade de gênero de cada pessoa.

Neste texto que encerra a série de reportagem “Contra-ataque”, publicada pela Diadorim em parceria com a Gênero e Número, a deputada conta como se deu a construção desses projetos e por que as negociações em torno da comunidade LGBTQIA+ encontram entraves na Alerj.

AGÊNCIA DIADORIM — Um levantamento da Diadorim mostra que a senhora é a deputada estadual com maior número de projetos de lei pró-LGBTQIA+ propostos no Brasil. Como avalia esse dado?
RENATA SOUZA — Nós, quando assumimos o mandato, assumimos com uma equipe muito diversa e uma equipe gerada para olhar para as questões relacionadas às desigualdades de gênero, raça e território. Então, essa equipe formulou, junto a movimentos sociais, as proposições. Elas não partem de nenhuma ideia genial da nossa cabeça, mas sim da relação orgânica com os movimentos LGBTQIA+, por isso um resultado tão contundente na formulação de políticas públicas, porque na verdade nós somos demandados pela população sobre suas necessidades mais imediatas. Por exemplo, a empregabilidade trans foi um dos temas que a gente discutiu bastante e fez um projeto para garantir 5% das vagas em empresas que recebem incentivos fiscais. Fora outros temas que são tão importantes, como o nome social, como a dignidade de ir ao banheiro, a dignidade pós-morte, que é ter a lápide com o seu nome social. Enfim, esses foram projetos talhados e costurados junto com os movimentos LGBTQIA+.

DIADORIM — Hoje, quais são as principais demandas que chegam ao mandato, partindo da comunidade LGBTQIA+ favelada, que constitui a sua base eleitoral?
RENATA SOUZA De fato, é uma população que acompanha bastante a nossa mandata aqui na Alerj. E as demandas, não tem jeito, são emprego e renda. Aí a gente está falando de jovens pretos e pretas LGBTQIA+ que vivem basicamente em favela e periferia, então tem outras camadas de preconceito, né? Tem a camada do racismo e tem a camada da classe social agregadas à identidade de gênero e à sexualidade. Então você imagina a situação dessas pessoas no mercado de trabalho. Tem muita demanda por mercado de trabalho e qualificação profissional. Além disso, a gente está no Mês da Visibilidade Lésbica e é importante dizer que nós temos muitas demandas também das favelas com relação às mulheres lésbicas, que muitas vezes são invisíveis para as políticas públicas e acabam tendo dificuldade de acesso à saúde, e acesso a uma rede de proteção diante das múltiplas violências sofridas.

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DIADORIM — A maior parte desses projetos ainda está em tramitação. Como se dá a discussão em torno da população LGBTQIA+ na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro? Há abertura para negociações em torno da pauta?
RENATA SOUZA — É muito difícil a negociação na Assembleia Legislativa do Rio, justamente porque a gente tem aqui um maior número de deputados e deputadas conservadores, que são da bancada que a gente chama de Bancada da Bíblia, então temos dificuldade de fazer avançar os projetos de lei com relação à população LGBTQIA+. O que a gente conseguiu avançar foi um programa para saúde mental, diante de tanto sofrimento, diante do número avançado de pessoas LGBTQIA+ que cometem suicídio. Já é lei no Rio de Janeiro o Programa de Prevenção ao Suicídio e Promoção do Direito aos Serviços de Saúde Mental para pessoas LGBTQIA+. Então, assim, a gente consegue avançar mais em questões relacionadas à saúde, mas outras questões relacionadas ao reconhecimento de direitos cotidianos, a população LGBT encontra maior dificuldade aqui dentro da Casa. Mas eu não tenho dúvida de que a Assembleia Legislativa é a Casa do Povo, então o povo precisa estar aqui dentro para fazer com que essas pautas caminhem e consigam aprovação, porque há várias tentativas de desqualificar, inviabilizar ou enviesar o projeto – por exemplo, o projeto tinha um objetivo primeiro e depois, diante de tantas emendas, ele acaba não atendendo ao objetivo inicial. Enfim, é muita luta para a gente.

DIADORIM — Na sua visão, as vivências LGBTQIA+ também constituem formas de resistência à “militarização da vida”, termo que a senhora usa na sua tese de doutorado?
RENATA SOUZA — Com certeza, eu não tenho dúvida de que a população LGBTQIA+ é muito afetada com o processo de militarização da vida, porque é a primeira população a ser hostilizada pelas forças que têm armas punho. Seja pelas forças do braço armado do próprio Estado, há uma hostilização especial à população LGBTQIA+, seja pelos grupos civis armados dentro das favelas do país. Essa militarização da vida, que é essa forma contundente de se naturalizar as armas no cotidiano das pessoas, ela se dá nos dois lados – e a população LGBTQIA+ se encontra muito vulnerabilizada nesse sentido, em especial as mulheres. Quando a gente fala disso, a gente pensa também na lógica e nas ameaças de estupro corretivo para as mulheres lésbicas. Isso é algo muito latente dentro das favelas e periferias.

DIADORIM — Essas proposições são também uma forma de honrar a memória de Marielle Franco?
RENATA SOUZA — Sem dúvida. Eu fui chefe de gabinete da Marielle e a gente trilhou uma priorização dessas pautas, e obviamente a nossa mandata também faz parte do que é essa semente, do que é esse legado, dessa construção de uma política do afeto. A política do afeto é a nossa capacidade de se afetar com a dor dos outros, então a gente tem a capacidade de se afetar com a dor da população LGBTQIA+ e pensar em políticas públicas para superar essas dores cotidianas, assim como é com relação ao racismo, ao classicismo. Então temos trabalhado a partir do que foi a nossa construção com o mandato de Marielle Franco. O feminicídio político de Marielle é algo que desafia a democracia brasileira, mas também que põe uma responsabilidade para todas nós mulheres, mulheres negras, LGBTQIA+, de que precisamos estar nos espaços de poder para que a nossa vida não continue a ser a primeira a ser ameaçada.

Diadorim