Investigações de assassinatos de crianças e adolescentes terão prioridade no estado do Rio de Janeiro, garante a Lei Ágatha 9.180/21, de autoria das deputadas estaduais Renata Souza (PSOL), Martha Rocha (PDT) e Dani Monteiro (PSOL), sancionada na última quarta-feira (13/1) pelo governador em exercício Cláudio Castro (PSC).
Na justificativa do projeto de lei, entregue em 1 de outubro de 2020, as deputadas lembraram não só de Ágatha Vitória Félix, morta aos 8 anos por um tiro de fuzil durante uma operação policial no Complexo do Alemão, zona norte do Rio de Janeiro, em 20 de setembro de 2019, mas de outras crianças vítimas da violência do Estado.
“O Rio Janeiro teve pelo menos outros 8 casos em 2019, de conhecimento público, de crianças e adolescentes vitimizadas letalmente: Jenifer Silene Gomes, Kauã Vítor Nunes Rozário, Kauã Peixoto, Victor Almeida, Kauê Ribeiro dos Santos, Dyogo Costa Xavier de Brito, Margareth Teixeira e um bebê morto na barriga da mãe. Somente um destes casos teve seu inquérito concluído”, diz o texto.
À Ponte, a deputada Renata Souza, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, comemorou a sanção. “Isso é muito importante porque isso foi resultado de uma série de audiências públicas feitas pela Comissão e contou com a participação dessas mães que reivindicavam a possibilidade de ter uma lei que assistisse elas em um momento tão doloroso e tão fundamental, em que essas famílias esperam o mínimo de respostas diante da perda dos seus filhos”.
Em breve conversa com a Ponte, Vanessa Sales Félix, mãe de Ágatha, definiu a aprovação da lei como uma resposta. “Assim como o caso da Ágatha foi ao fim do processo investigatório, outras famílias também terão. Não era assim que eu queria que fosse conhecida, mas é para todos saberem como ela foi tirada de mim. Através dessa lei, todos saberão quem foi Ágatha Vitória“.
Para Ana Paula Oliveira, mãe de Johnatha de Oliveira Lima, 19, morto em 14 de maio de 2014, em Manguinhos, zona norte da cidade do Rio de Janeiro, com um tiro nas costas por um disparo feito por um PM da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) local, e cofundadora das Mães de Manguinhos, não deveria haver uma lei para que as investigações acontecessem.
“Eu vi uma fala da Vanessa [mãe da Ágatha] e concordo muito: é muito triste e ao mesmo tempo revoltante a gente ter que lutar para colocar em vigor uma lei para que aconteça investigações de homicídios cometidos pelo braço armado do Estado”, aponta.
“Mas a gente sabe que não só os homicídios de crianças e adolescentes, mas em geral, quando se tratam de homicídios cometidos pela polícia, esses casos não tem uma investigação a não ser que as mães e os familiares façam o trabalho que deveria ser da polícia”, lamenta Ana Paula.
A cofundadora das Mães de Manguinhos também cita a luta dos familiares, principalmente das mães, de crianças, adolescentes e jovens mortos pelo braço armado do Estado. “Esses homicídios não são investigados, a não ser os casos que as famílias se colocam na luta e ficam sem o direito ao luto, precisam buscar a verdade”.
“Muitas vezes, não quanto são crianças, mas quando são adolescentes ou adultos assassinados dentro das favelas, na Baixada [Fluminense] ou nas periferias, geralmente a polícia, para tentar legitimar esses assassinatos covardes e injustos, tenta mudar a história. Geralmente alegam que mataram em legítima defesa ou que o jovem estava em uma troca de tiros quando na verdade não é isso”, completa Ana Paula.
Com a aprovação da lei, a qual enxerga como muito importante, Ana Paula conta que a luta não termina, mas se intensifica. “Vamos lutar e fiscalizar para que a Lei Agatha seja cumprida. A falta de investigação fortalece para que outros casos aconteçam. A falta de justiça alimenta toda a violência”.
“Deveria ser feito de forma natural como acontece para uma parcela da sociedade, que é branca e tem uma condição econômica alta. Esses casos têm fechamento, mas isso não acontece quando são corpos moradores de favelas assassinados pela polícia. Os assassinatos não param, outras pessoas seguem sendo assassinadas pela polícia”, afirma.
Ana Paula também avalia que foi preciso mulheres negras de favela chegarem até a Alerj para que uma lei como essa fosse proposta. “Mulheres negras, que sabem o que a gente sofre, precisam ocupar cada vez mais esses espaços. Só assim para as mudanças acontecerem a favor das nossas vidas e dos nossos direitos. Desejo que tenhamos outras mulheres negras como Marielle Franco e Renata Souza ocupando esses espaços”.
Para Dennis Pacheco, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a efetivação da lei vai depender de uma atuação séria do Ministério Público, órgão responsável pelo controle da atividade policial. “Vemos que em casos de letalidade policial é um não processamento desses casos, justamente porque o MP tem uma atuação falha que acaba gerando impunidade”.
Pacheco também entende que a lei “estabelece uma prioridade, mas não vai tapar esse buraco e esse vazio que já existe” uma vez que “temos um problema antes dessa legislação que é próprio fato de a gente investigar pouco os homicídios”.
A Ponte