Intolerância religiosa: políticos atacam adversários fiéis ou simpatizantes de religiões de matriz africana
As redes sociais têm sido usadas para ataques a políticos fiéis ou simpatizantes de religiões de matriz africana. As postagens, a maioria oriundas de perfis de extrema-direita, trazem mensagens que relacionam a Umbanda, o Candomblé e seus seguidores a práticas demoníacas. Os posts têm um foco: manter ou conquistar uma parcela do voto evangélico — há denominações que incentivam a perseguição. Num discurso político-religioso, os pré-candidatos alvos de intolerância religiosa são chamados de demônios, enquanto eleitores cristãos são questionados se querem realmente elegê-los.
Nesta semana, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edson Fachin, assinou acordo com religiosos em defesa da paz e da tolerância nas eleições. A iniciativa foi chancelada por representantes de catolicismo, espiritismo, judaísmo, islamismo, budismo, religiões de matriz africana e de correntes do protestantismo.
As postagens com ataques navegam pelo Facebook, Instagram e Twitter e abastecem grupos de WhatsApp. Segundo o coordenador de diversidade religiosa do município do Rio, Márcio de Jagum, há um padrão: os posts ficam nos perfis dos autores por pouco tempo, o suficiente para serem replicados e copiados para aplicativos de mensagens.
— O autor apaga a mensagem para não ser denunciado, só que aí o estrago já foi feito. Desde 1890, o Estado brasileiro é laico. Cada um tem o direito de defender sua religião, o que não pode acontecer é um grupo impor sua fé e eliminar as demais crenças — afirma.
Discriminação se alastra | Editoria de Arte
Blogueiro bolsonarista, Allan dos Santos está entre os internautas que postam mensagens intolerantes. Numa delas, divulgou foto do ex-presidente Lula ao lado de uma mãe de santo, em que questionou se ele, que mantém laços com a religiosa, é o presidente que os cristãos querem. O blogueiro pediu ainda que divulgassem a mensagem nas igrejas. O post foi replicado pelo senador Flávio Bolsonaro (PL).
Em outro episódio envolvendo Flávio, o PT entrou com uma representação contra ele e o vereador bolsonarista Rômulo Quintino (PL), de Cascavel (PR). A sigla questionou a postagem do vereador, replicada pelo senador, na qual um vídeo editado de uma fala de Lula destaca a frase: “Eu estou falando com o demônio e o demônio está tomando conta de mim”. O TSE arquivou a ação por ser baseava só num vídeo, o que seria insuficiente para configurar propaganda antecipada negativa.
Leis que “amaldiçoam”
Já a vereadora de Niterói Benny Briolly (PSOL), ao tentar aprovar projeto em homenagem a entidade da Umbanda Maria Mulambo, foi vítima de ataques bolsonaristas na rede. No plenário, foi hostilizada por evangélicos e criticada por políticos de direita, como o vereador Douglas Gomes (PL). Ele usou expressões como “tá amarrado” e “repreendido” em nome de Jesus ao citar o projeto na rede. Gomes justificou sua posição dizendo que foi eleito para representar o povo cristão.
— Mais que intolerância religiosa, o que estamos vendo nas redes sociais e vivendo nas casas legislativas é um racismo religioso — diz Benny, acusada de propor leis que amaldiçoam os moradores de Niterói.
Para a socióloga Mônica Rodrigues, professora da Escola do Legislativo do Rio, o discurso do ódio está de mãos dadas com as fake news e tem origem na pauta de costumes, que rege a ideologia conservadora. Não é característica só da eleição, segundo Mônica, “por isso tem tanta capilaridade e efeito devastador e se torna uma arma eleitoral.”
A intolerância também mira em figuras públicas não envolvidas com a política. Com mais de mais de 8,5 milhões de seguidores no Twitter, o padre Fábio de Melo foi alvo de bolsonaristas ao criticar o desrespeito e a profanação contra religiões de matriz africana.
De acordo com o presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito Contra a Intolerância Religiosa da Assembleia Legislativa do Rio, Átila Nunes, em 2019 a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) somou 35 ocorrências de preconceito religioso. Já o Instituto de Segurança Pública (ISP) registrou de janeiro até o início de abril deste ano 469 crimes de preconceito, 62 de preconceito de raça e de cor e dez de ultraje a culto e impedimento ou perturbação.
— Na eleição deste ano deve se repetir o comportamento de outros pleitos: candidatos visarão as religiões afro-brasileiras como crenças cultuadoras do diabo e que devem ser extirpadas — diz Nunes.
Longe das redes, a intolerância religiosa se multiplica. Durante recente show gospel em Itaboraí, financiado pela prefeitura, o pastor evangélico Felippe Valadão fez ofensas a líderes religiosos da região. Ele usou o termo “endemoniados” para se referir a pais e mães de santo e disse que os terreiros de Umbanda da cidade iriam fechar. A atitude do pastor levou Átila Nunes a acionar o Ministério Público para investigar o uso de dinheiro público para financiar o evento. A deputada Renata Souza (PSOL)também entrou com ação.
O Globo