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Incêndio na estátua de Borba Gato reacende debate sobre manutenção de monumentos ligados à escravidão

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Incêndio na estátua de Borba Gato reacende debate sobre manutenção de monumentos ligados à escravidão

SÃO PAULO - O incêndio da estátua do bandeirante Borba Gato como forma de protesto em São Paulo, no último sábado, reacende o debate sobre a manutenção de monumentos e obras públicas que fazem homenagens a figuras com atuação ligada à escravidão de negros e de povos indígenas. Projetos de lei que estão em discussão na capital paulista, no Rio e em Minas Gerais preveem do envio dessas estátuas para museus à instalação de placas que expliquem melhor o contexto histórico que elas retratam.

A tentativa de destruição do monumento também levou a uma discussão dentro da esquerda sobre a validade desse tipo de ação. O ato do último sábado, na capital paulista, recebeu a crítica de que essa forma de protesto dá munição aos que, no contexto dos atos de sábado, classificam as manifestações contra o governo do presidente Jair Bolsonaro são violentas e palco de vandalismo, o que dificultaria uma adesão maior.

Por outro lado, há quem defenda a validade da ação, com o argumento de que é preciso se posicionar sobre passagens da História e também sob a inspiração de atos semelhantes no exterior, lembrando que estátuas de personalidades ligadas à escravidão foram destruídas na esteira do movimento “Black Lives Matter”.

Uma das iniciativas legislativas sobre o tema mais avançadas está em discussão na Câmara Municipal de São Paulo. Projeto de lei apresentado pela vereadora Luana Alves (PSOL) propõe, além da retirada de estátuas, em especial quando não são tombadas, possibilidades de realocação dos monumentos ou inserção de placas e sinais que tragam contexto histórico. O projeto foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e no Congresso de Comissões.

O vereador Rubinho Nunes (PSL) é um dos que se opõem à proposta, que diz considerar “populismo ideológico” e “tentativa de revisionismo histórico”. Já Gilberto Nascimento Jr. (PSC) afirmou que e alterar nomes de ruas não altera o passado, e a “História do Brasil, independentemente de seus erros e acertos, precisa ser contada e enfrentada e não apagada.” Luana discorda dos dois:

— De forma nenhuma é um projeto que apaga a História. A história da escravidão e do coronelismo está colocada e até hoje determina o que é o nosso país. O que é apagado historicamente são heróis e heroínas negros e indígenas — disse a vereadora paulistana, que inspirou a criação de um movimento para valorizar a história de todos que construíram São Paulo.

Armazenamento em museu

Em âmbito estadual, a proposta da deputada Erica Malunguinho (PSOL) trata do mesmo tema, mas com soluções diferentes. Além de proibir homenagens a escravocratas e eventos históricos ligados ao exercício da prática, o texto prevê a retirada de monumentos, estátuas e bustos já existentes e seu armazenamento em museus estaduais para preservação do patrimônio histórico. O projeto recebeu parecer contrário na CCJ, mas ainda não houve votação. Um parecer da Defensoria Pública, porém, atesta sua constitucionalidade.

— Não se trata de mudar ou apagar a História. O objetivo é que se repare a História contada por um só lado, o da minoria branca — afirmou a deputada estadual.

A ideia de Erica inspirou um projeto parecido na Assembleia Legislativa do Rio, de autoria das também parlamentares do PSOL Dani Monteiro, Mônica Francisco e Renata Souza. Na proposta, que está na CCJ ainda sem parecer, também há previsão para transferência das estátuas para museus, além da renomeação de prédios estaduais, locais públicos e rodovias estaduais cujos nomes sejam homenagens a figuras com atuação ligada à escravidão.

Os textos de Rio e São Paulo ainda preveem a criação de uma comissão composta pelos Poderes Legislativo e Executivo e pela sociedade civil para analisar a nomeação desses locais.

A Câmara Municipal de Belo Horizonte deve ganhar um projeto em breve, de autoria da vereadora Duda Salabert (PDT). Ela diz que vai chamar uma audiência pública para debater o tema antes de apresentar o texto.

Professora de literatura, Duda diz que já deu aulas sobre escritores abertamente racistas e se coloca contra censurar ou “tacar fogo” em suas obras.

— Defendo que esses e monumentos que exaltam até torturadores sejam ressignificados e colocados em museus para promover reflexão sobre crimes políticos.

O Globo