Marielle foi vítima de um feminicídio político. Assim define sua ex-assessora, amiga, e hoje deputada estadual pelo Rio Renata Souza. Um ano depois, a polícia não trouxe a resposta esperada, e a Mangueira deu a resposta pública. Neste Dia Internacional da Mulher, é hora de falar delas, tantas, mortas ou agredidas. Samira Bueno, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, diz que por hora 536 mulheres foram vítimas de violência entre fevereiro do ano passado e fevereiro deste ano. Ao todo, 4,7 milhões de mulheres.
— A gente está falando de socos, batidas, tapas, chutes. E tem uma informação da pesquisa — feita pelo Fórum com o Datafolha — que mostra que quanto maior a escolaridade mais ela demonstra ter sido vítima de agressão. Não dá para acreditar que a mulher do ensino fundamental sofra menos violência do que a mulher escolarizada. Essa diferença tem a ver com o reconhecimento de que isso é um crime. As novas gerações, mulheres mais jovens e escolarizadas, estão mais empoderadas e denunciam — diz Samira Bueno.
Renata Souza preside a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Essa Comissão tem a característica, desde que era presidida por Marcelo Freixo, e coordenada pela própria Marielle, de dar também atendimento ao público. A deputada Renata vai manter essa prerrogativa.
— Vamos dar atendimento às mulheres, encaminhá-las à Defensoria Pública. Além disso, vamos instalar nas próximas semanas uma CPI da violência obstétrica. Tem havido muitas mortes de nascituros. Vamos investigar. Sou também da CPI do Feminicídio, presidida pela deputada Marta Rocha. Vamos trabalhar para superar esse nível de feminicídio que está acontecendo em nosso país — promete a deputada.
Há muito trabalho quando o assunto é proteger a mulher de abusos, seja no espaço público, seja no espaço familiar. Os casos de assassinatos, ou tentativas, são diários. Só nos últimos dias, e para citar dois crimes: Maria Edjane de Lima, de 27 anos, deu entrada num hospital de Barra Mansa, sul fluminense, com sangramento e 27 semanas de gravidez. Disse que foi espancada pelo marido, com inclusive chutes na barriga. A filha nasceu e ela morreu em seguida. O marido prestou depoimento e foi solto. Em Fortaleza, na terça-feira, um subtenente da Polícia Militar deu um tiro na cabeça da esposa, que está em estado grave, prestou depoimento à Delegacia da Mulher e foi solto. Só no dia seguinte acabou sendo preso. Os crimes acontecem diariamente e a impunidade é frequente. Em 76% dos casos o agressor é conhecido da vítima.
Os casos de assédio também são frequentes e em número assustador. Pela pesquisa do Fórum, neste um ano, 37% das mulheres dizem ter sofrido assédio. Isso dá 22 milhões de mulheres. Samira acha que é preciso também olhar para essas violências que são invisíveis, que não chegam até o Estado. Renata chama de “microviolências”. Elas vão deixando sequelas e são reveladoras.
— Na sociedade patriarcal a lógica é que a mulher tem que ser submissa e que tem que ser entendida como propriedade do homem — disse Renata.
Há saída para este túnel escuro em que estamos. O primeiro passo é ter pessoas como Samira e Renata. Eu entrevistei as duas no meu programa na Globonews. Elas são exemplos de nova mulher, aquela que está disposta a denunciar, como também a se dedicar ao trabalho de mudar a sociedade. Para isso, diz a deputada Renata Souza, a educação é a principal arma:
— É fundamental que as escolas façam o debate de gênero. A gente precisa que a educação faça com que esse futuro jovem e homem não agrida a sua mulher. A escola é a grande aliada desse debate.
Há muito a fazer. E muito já foi feito. O feminismo carrega a marca da transformação e ele se renova nesta nova geração. Sempre foi polêmico, o feminismo. Há décadas é criticado, como se fosse ele o problema e não o caminho da solução. Neste Dia da Mulher há pouco a comemorar, principalmente quando se pensa que no dia 14 o assassinato de Marielle completará um ano. O legado deixado pela vereadora, segundo Renata, é que haja uma “resposta concreta contra as desigualdades sociais, as desigualdades raciais e as de gênero”. Ou, como diria a Mangueira, que se fale mais sobre “a história que a história não conta, o avesso do mesmo lugar”.
Jornal O Globo