Voltar ao site

Estudo aponta potencial da articulação entre favelas, instituições científicas e saúde pública

· Matérias

Estudo aponta potencial da articulação entre favelas, instituições científicas e saúde pública

broken image

A articulação entre as favelas, as instituições cientificas e de saúde pública durante a pandemia de Covid-19 no Rio de Janeiro foi considerada por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-Rio) como fundamental para garantir as necessidades nas estratégias de enfrentamento à crise sanitária em cada território. Dados de um levantamento realizado com 90 projetos executados no âmbito da primeira chamada pública do Plano Integrado de Saúde nas Favelas da Fiocruz foram apresentados na última quarta-feira (10/2), no evento Saúde na Favela é Construção Coletiva, promovido na Tenda da Ciência, em referência ao Dia Estadual de Saúde nas Favelas. O encontro reuniu 250 lideranças de 33 cidades do Estado, para discutir os desafios nos diferentes territórios.

O diagnóstico externo mapeou as iniciativas do Plano interinstitucional desenvolvido pela Fiocruz, em parceria com a UFRJ, Uerj, PUC, IFF, UENF, Abrasco, SBPC e Alerj, para o enfrentamento dos desafios de saúde pública nas comunidades fluminenses, especialmente no contexto pós-pandemia de Covid-19. Para isso, foram avaliados o alcance dos projetos que realizaram diversas ações no período, como a construção de cozinhas comunitárias, consultórios psicoterapêuticos para mulheres e cursos de formação de jovens comunicadores, dentre outras iniciativas. As ações do Plano, desenvolvidas por organizações sociais em articulação com instituições de ensino, unidades de saúde da família, policlínicas e postos de saúde, já impactaram 625 mil pessoas. Ao todo, 755 toneladas de alimentos foram distribuídas para famílias em vulnerabilidade social, articulando os temas da segurança alimentar e nutricional e saúde.

Participaram da abertura do evento Saúde na Favela é Construção Coletiva, a vice-presidente de Pesquisa e Coleções Biológicas da Fiocruz, Lourdes Aguiar; Cristiane Sendim, diretora da Fiotec; Vanessa Costa, diretora técnica da Fiotec; o coordenador do Plano Integrado de Saúde nas Favelas do Rio de Janeiro, Richarlls Martins; a coordenadora de inovação e estratégia pedagógica da PUC-Rio, Roberta Portas; a coordenadora da organização Associação de Mulheres de Itaguaí Guerreiras e Articuladoras Sociais, Ana Paula Salles; e a deputada estadual Renata Souza. O evento contou com representações de parlamentares, de organizações da sociedade civil, de instituições científicas e de ensino do estado.

“Essa pesquisa destaca o caráter não só inovador do Plano Integrado de Saúde nas Favelas, de reunir instituições acadêmicas, de saúde pública, para a construção de uma plataforma, como de realizar tudo juntamente com a comunidade”, considera Lourdes Aguiar. Para a vice-presidente, a iniciativa representa uma mudança de paradigma: “É um modelo para ser adotado para várias outras áreas, especialmente no nosso Estado, onde a gente passa por tantos desafios e dificuldades para muito além da saúde. Para a Fiocruz, é um orgulho estar coordenando esse projeto. Por isso, justamente, que se tem todo o interesse e o comprometimento em abraçar esse novo paradigma. Construindo juntos é muito fácil a gente pensar em soluções. É essa ciência com a qual a estrutura está comprometida. Esse arranjo tem impulsionado a geração de conhecimentos, tecnologias sociais, que podem ser utilizadas e aplicadas não só no nosso estado. É uma posição de vanguarda que está sendo construída para o resto do nosso país e para outros países”, ressalta.

O estudo realizado pelos pesquisadores da PUC-Rio e da UFRJ identificou que metade dos 90 projetos (50%) contemplados na primeira chamada pública do Plano tem atuação em uma favela, enquanto a outra parte promove atividades em pelo menos mais de um território. Os impactos das ações são abrangentes e incidem diretamente entre membros de toda uma família, independente da configuração, e no contexto social da comunidade. No entanto, 13,6% das ações refletem exclusivamente na saúde de mulheres e 9,1% na de crianças, adolescentes e jovens. Família e comunidade representam 52,3% do total analisado. A professora do Núcleo Interdisciplinar para o Desenvolvimento Social (Nides) da UFRJ, Luciana Correa do Lago, co-coordenadora da pesquisa, enfatiza a abrangência territorial das propostas, desenvolvidas em 18 municípios, e o intercâmbio promovido pela coordenação do Plano entre as organizações sociais.

“Essa articulação institucional e também territorial foi fundamental para o êxito de todo o processo. Se a gente está aqui, na verdade, com o objetivo final de potencializar e construir um poder popular, um poder popular enraizado nos territórios, essa articulação é a mais estratégica, no primeiro lugar, que é troca de conhecimento, aprendizado, confiança. Através de encontros mensais reunindo lideranças de todos os territórios as pessoas saíram muito motivadas e interessadas nas tecnologias e nas atividades dos outros projetos. Então, pensar poder popular começa por pensar a construção de redes entre essas relações. Como é que a gente transforma essas ações moleculares em poder?”, questiona.

Professor do Programa de Pós-Graduação de Políticas Públicas em Direitos Humanos (PPDH) do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos Suely Souza de Almeida da UFRJ e coordenador do Laboratório do Direito Humano à Cidade da UFRJ, Pedro Cláudio Cunca Bocayuva, que também co-coordenou a avaliação, aponta a força coletiva das mulheres como indutora das respostas apresentadas pelas favelas no contexto pós-pandemia. Cerca de 80% dos projetos foram liderados por mulheres.

“Nós vivíamos oprimidos pela ideia de governar o território pela morte, pela violência, e na realidade a resposta estratégica brasileira está no conselho colegiado da Saúde. Essa é uma resistência, porque a gente descobriu nessa avaliação. Nós fizemos uma avaliação tripla na tentativa de identificar que tecnologia foi mais potente no momento fundamental de emergência. E esses territórios são territórios femininos populares. São territórios que normalmente se acompanha mal ou bem pelo funcionamento do sistema de ensino, pelas formas de atenção básica em saúde. As respostas emergenciais foram guiadas por essas mulheres que foram as mais afetadas, por estarem no dia a dia das escolas e unidades de saúde, junto com seus filhos e familiares”, explica Bocayuva.

A deputada estadual Renata Souza, autora da Lei 8972-20, que destinou recursos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), parabenizou os resultados alcançados pelo Plano Integrado e anunciou o interesse da atual presidência da Alerj de alocar novos recursos financeiros para ampliação das ações de saúde nas favelas no marco desta estratégia interinstitucional.

Mais de 20 atividades com foco no enfrentamento à dengue

Além do evento Saúde na Favela é Construção Coletiva realizado pela Fiocruz no campus Manguinhos, o dia Estadual de Saúde nas Favelas do Rio de Janeiro, em 10 de fevereiro, reuniu atividades com foco no enfrentamento à dengue na capital e nos municípios de Niterói, São Gonçalo, Nova Iguaçu, Mesquita, São João de Meriti, Teresópolis, Itaguaí, Duque de Caxias, Cabo Frio, Campos dos Goytacazes, Mesquita, Angra dos Reis e Rio de Janeiro. Foram mais de 25 atividades, dentre ações educativas, práticas integrativas, palestras e rodas de conversa. A programação mobilizou as organizações sociais que fazem parte do Plano Integrado de Saúde nas Favelas com objetivo de ampliar a prevenção contra o Aedes aegypti nos territórios.

Coordenador executivo do Plano, Richarlls Martins, que participou das atividades realizadas em Campos dos Goytacazes, Teresópolis e Cabo Frio, diz que a discussões e iniciativas propostas ao longo dos últimos dias pelas organizações sociais, as instituições científicas e as unidades de saúde fortalecem o compromisso coletivo da Fiocruz e das instituições parceiras de contribuir para o Sistema único de Saúde (SUS) e garantir o acesso a assistência devida aos moradores de favela.

“A organização do planejamento e da gestão da saúde coletiva deve operar no reconhecimento que os indicadores das condições de vida nas favelas brasileiras evidenciam dados sobre a iniquidade na garantia do acesso ao direito humano à saúde nestes territórios. Como apontam os dados do último Censo Demográfico de 2022, as favelas brasileiras possuem ¼ dos equipamentos de saúde em comparação com a média nacional. A saúde é desigual no acesso nestes territórios. Nesta perspectiva, promover o fortalecimento e a articulação das favelas e periferias a partir da saúde como estratégia de integração, é diretriz para se garantir um modelo de desenvolvimento sustentável nacional no qual toda a população efetivamente conte”, avalia Martins.

Fiocruz