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Deputada do Rio de Janeiro fala sobre mulheres negras no Poder e feminicídio político

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 Deputada do Rio de Janeiro fala sobre mulheres negras no Poder e feminicídio político

Renata Souza era chefe de gabinete de Marielle Franco, é defensora dos direitos humanos e pesquisadora de gênero

Dez de dezembro é o Dia Internacional dos Direitos Humanos, data quando, mundialmente, se encerra a campanha “16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres”, iniciada em 25 de novembro, Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres. No Brasil, a mobilização começa em 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, passando, portanto, para 21 dias de ativismo.

Inserida nesse contexto, a deputada estadual do Rio de Janeiro Renata Souza (PSOL) esteve em Cuiabá em programação no Centro Cultural Casa das Pretas para dialogar sobre a temática “Pretas no Poder”, quando concedeu entrevista exclusiva ao

Leiagora

.

Renata Souza é jornalista e doutora em Comunicação e Cultura e, em 2018, foi a deputada estadual mais votada no Rio de Janeiro dentre os parlamentares da esquerda. É negra, nascida e criada no Complexo da Maré, se intitula feminista e atua na defesa dos Direitos Humanos há mais de 12 anos.

Quando a vereadora Marielle Franco (PSOL/RJ) foi executada, em 14 de março de 2018, Renata estava chefe de gabinete. E, candidatando-se no mesmo ano e sendo eleita, é considerada uma das “herdeiras de Marielle”, processo eleitoral com expressiva participação de mulheres negras.

Enquanto pesquisadora, cunhou o conceito “feminicídio político”, que versa sobre o assassinato de mulheres a fim de silenciar a defesa de causas sociais.

A deputada fala, ao

Leiagora

, sobre mulheres negras em representações políticas, sobre o conceito criado por ela e sobre Direitos Humanos. Leia a entrevista na íntegra:

Leiagora - Por que é importante que mais mulheres negras estejam atuando também na política partidária?

Dep. Renata Souza

- Porque, no final das contas, as nossas vidas são afetadas diretamente pelas decisões tomadas nos espaços de poder. Nós, historicamente, estivemos longe da possibilidade de incidir politicamente sobre o nosso próprio destino. Então, as mulheres pretas, hoje, que são a base da pirâmide social, ou seja, carrega nas costas o Brasil, precisam fazer parte de um processo democrático real, que é poder estar nos espaços que historicamente foram negados pra nós. Nesse sentido, é fundamental, para gente ter democracia plena, num país que temos mais de 56% de pretos e pardos, precisamos ter mulheres dentro das casas legislativas.

Leiagora - Você fez uma reflexão sobre a questão racial. Você também pode explicar a importância de serem mulheres?

Dep. Renata Souza -

Porque são as mulheres que são as mães, que são as donas de casa... O IBGE já demonstra que os lares brasileiros estão, cada vez mais, sendo sustentados unicamente por mulheres... Então, a gente tem uma mola propulsora na realidade dessas mulheres, que se conhecem no seu cotidiano, a partir das privações, como a privação de ter a possibilidade de acessar a educação, porque muitas vezes o cuidado dos filhos fica exclusivo pra essas mulheres; ou a saúde pública que, no final das contas, tem um processo também de racismo institucionalizado, em que essas mesmas mulheres sofrem no processo de violência obstétrica na hora que elas estão tendo seus filhos.

São essas mulheres que hoje têm um processo de violação gigantesco sobre os seus corpos. Quando a gente vê, por exemplo, a violência policial, ela vai atingir exatamente os filhos dessas mulheres pretas. Ser mulher preta hoje política é uma questão de vida ou morte.

Leiagora - Você era chefe de gabinete da vereadora Marielle Franco, se candidatou e foi eleita deputada estadual pelo Rio de Janeiro. Como foi esse movimento que houve a partir da morte de Marielle, em que outras mulheres sentiram a necessidade de buscar esse espaço?

Dep. Renata Souza -

Eu não tenho dúvida que a coisa mais violenta que aconteceu com as mulheres pretas no Brasil foi o assassinato de Marielle Franco. Marielle, que trazia em seu corpo a luta de mulheres, mulheres pretas, LGBT, de favela e periferia, denunciava todos os dias as violações contra as mulheres, em especial as mulheres negras, LGBTs. Então, hoje a gente ter uma reorganização política no Brasil depois da dor maior que todas nós sentimos com o feminicídio político de Marielle, é também dizer que não vamos aceitar interromper as nossas trajetórias de vida. O Brasil é um dos países que mais matam defensores e defensoras de direitos humanos no mundo, mesmo sendo um país que não está em guerra. Quando mataram a Marielle, tentaram sileciar uma série de lutas contra violações dos direitos humanos, tentaram silenciar esse processo de denúncia e de intimidação também contra aqueles e aquelas que lutam pela dignidade humana no país. O que entendemos foi que mais mulheres, mulheres pretas e de favela precisavam entrar na linha de frente da política, porque não aceitaríamos de qualquer maneira interromper uma mulher democraticamente eleita. Hoje, aquilo que a gente pensa de sementes de Marielle é muito maior do que qualquer ação individual. Algumas pessoas falam: "você é herdeira de Marielle". Eu falo: "não". Porque a grandiosidade da Marielle não cabe que uma pessoa seja herdeira. A grandiosidade de Marielle é justamente semear toda a sua trajetória para que todas as mulheres possam se considerar sementes de Marielle.

Leiagora - Por sua trajetória acadêmica, você está buscando gravar a epistemiologia do feminicídio político. Explique sobre juntar os conceitos de feminicídio e de violência política contra a mulher?

Dep. Renata Souza -

Na verdade, aquilo que não se nomeia, não se classifica, não se categoriza não existe no campo do direito no Brasil. Então, buscar uma uma expressão que conceitue o que acontece e o que pode acontecer com mulheres num processo de violência política de gênero constante, que é exatamente vir a sucumbir como feminicídio político, é fundamental. A Marielle figura um corpo de uma mulher preta! Hoje, quando a gente olha os dados de feminicídio, aumentou em mais de 30, 40%, feminicídio de mulheres pretas. A Marielle também figura uma jovem de uma favela, de uma periferia, onde nós temos, hoje, na violência do Estado, que cerca de 70% das pessoas que são assassinadas no Brasil são jovens pretos de favela. A Marielle figura um corpo que é descartável no Brasil. E também por conta da sua condição de lésbica.

Nesse sentido, é fundamental que a gente olhe pro cenário brasileiro e demonstre aquilo que se naturalizou de descarte desses corpos. Corpos negros, de mulheres, de população LGBTQIA+ e periféricos. Porque é nesse sentido de descarte que Marielle entra num bojo de naturalização das violências. Mesmo depois do assassinato de Marielle, a gente teve uma tentativa de criminalizá-la pela sua atuação. A gente viu uma desembargadora no Rio de Janeiro colocar uma foto que supostamente seria Marielle no colo de um traficante. Isso acontece todos os dias com jovens pretos que morrem de tiro dentro da favela. Eles são criminalizados. Todas as violências colocadas quase que naturais no Brasil corporificam em Marielle. Corporificam na sua tentativa de denunciar essas desigualdades. Por isso que eu acho que esses dois conceitos juntos - feminicídio e político - a gente poderia até dizer que é uma redundância. Porque o feminicídio no Brasil vem de uma decisão política patriarcal de usar o corpo da mulher como se fosse uma propriedade, como se fosse um objeto que pudesse submetê-la a seus maridos. Isso é uma decisão política! Mas eu quis juntar essas duas expressões, porque eu entendo que precisamo dar nomes. Foi um avanço conseguir dar nome à violência política de gênero. Agora a gente precisa dizer qual é a sequência da violência política de gênero: pode desaguar em um feminicídio de político, como aconteceu com Marielle, como aconteceu com irmã Dorothy Stang, como aconteceu com a juíza Patrícia Acioli.

Leiagora - Fale sobre os 21 Dias de Ativismo no Brasil e os 16 Dias de Ativismo no mundo? Qual a importância dessas datas? Sobre os direitos humanos, como o Brasil está nesse cenário?

Dep. Renata Souza -

Eu acho fundamental que tenhamos datas nos nossos calendários que possam dar visibilidade à luta contra a violência dos corpos de mulheres, dos corpos de pretos. A gente também acabou de sair do Novembro Negro... É fundamental, mas não é o suficiente. A gente precisa que esses temas sejam debatidos o ano inteiro. Hoje, já há uma predisposição dos movimentos de mulheres, dos movimentos de negras e negros no Brasil de fazer com que todos esses debates sejam colocados no cotidiano e não mais datadamente. Datadamente, é claro, a gente envolve as instituições, mas, nos movimentos sociais, a gente já tem colocado como uma estratégia para dar visibilidade às lutas e a essas mulheres. Porque eu não tenho dúvida: a invisibilidade também matou a Marielle! A Marielle era invisível aos olhos da imprensa. Tínhamos uma dificuldade imensa de pautar na mídia sobre o trabalho dela. Ou seja, olharam para Marielle e viram: esta é a figura mais frágil, porque ela não tem a visibilidade social, ainda que nos movimentos de mulheres, movimentos de negros e negras e periféricos de direitos humanos, ela já tivesse essa notariedade. Visibilidade é proteção.

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