Deley de Acari, o nosso poeta e defensor das favelas!
por Gizele Martins
Vanderley da Cunha, de 66 anos, mais conhecido como Deley de Acari, é uma das maiores referências na luta e na defesa pela garantia de direitos do povo favelado no Rio de Janeiro. É poeta, articulador cultural, instrutor de futebol para crianças e adolescentes na favela em que mora e há quase dois anos lançou o seu primeiro livro ‘Ainda teremos Dublin?’. Nos seus mais de 40 anos como defensor de direitos enfrentou muitos desafios, mas sempre seguiu firme e nos ensina a cada dia sobre as conquistas históricas das favelas e do povo negro. Não, por acaso, Deley foi o escolhido para inaugurar este espaço intitulado de ‘Destaques da Favelas’ da Mandata Renata Souza. Confira abaixo o papo que tivemos com ele!
Deley nasceu em Itaocara, no Rio de Janeiro, mas passou a sua infância em Vila Norma, São João de Meriti. Morou lá por anos junto com a sua família e, ao lembrar dessa época, ele citou as suas mais importantes referências da vida: “Minha avó era matriarca de um clube de futebol. O meu tio trabalhava durante o dia numa fábrica e à tarde em uma rádio de alto falante para noticiar informações cotidianas do bairro, passar recados entre os moradores, etc”. No papo, ele falou também de sua mãe, irmã, irmão e tios.
Deley começou a estudar aos 7 anos de idade. Após as aulas ia para casa almoçar, depois ia para o local onde funcionava a rádio. “No serviço de alto falante eu ficava com a tarefa de colocar os LP 's para tocar e a cada cinco minutos fazia os informes”, disse. Aos sábados e domingos, no Esporte Clube Expressinho, que ficava bem perto de sua casa, tinha baile com cantores famosos da época. Ele recorda também que próximo da sua casa tinha um campinho de futebol, era lá que ele encontrava os seus amigos e treinava e jogava handebol. Mas no início dos anos 70, quando a sua avó teve derrame, venderam a casa em que moravam e ele e toda a família se mudaram para Caxias.
Nessa época, ele ganhou uma bolsa para estudar handebol e de madrugada vendia o jornal ‘A Notícia’ no trem. “O meu professor de inglês da escola me pediu uma vez para levar o Jornal ‘Pasquim’ para ele. Eu lembro de pegar esse jornal e ler no meio do caminho, foi o primeiro número do Pasquim. Foi daí que tive uma cumplicidade com o professor de inglês, de história e de português, foi quando conheci a história comunista”, disse.
Por volta de 1971, época do regime de Ditadura Militar no Brasil, ele passou a ver de perto muitas violações que ocorriam cotidianamente no bairro em que morava: nas ruas, nas revistas que ele e seus amigos sofriam, no local em que jogava futebol, na censura das letras de músicas e peças teatrais que escrevia, nas perseguições e até mesmo nos desaparecimentos de pessoas conhecidas. “Antes do meu aniversário de 22 anos (6 de outubro de 1976), fui dar depoimento na ‘Censura’, sobre uma peça teatral que eu fiz. Infelizmente, naquele dia eu fui torturado e preso. Me levaram pra lá e depois me colocaram no pau de arara, deram choque. Passei meu aniversário de 22 anos no Dops, na Rua Barão de Mesquita”, revelou.
Após esse episódio ele continuou trabalhando e escrevendo as suas poesias e músicas, entrou para um grupo de danças e nessa época conheceu o Mestre Candeia. Em 77/78 entrou para a ala de compositores, participou de um samba enredo, mas cortaram o meu samba porque era samba de compositor comunista. Foi nesse mesmo período que ele entrou na luta em defesa dos direitos do povo das favelas. Participou da reconstrução da Federação das Associações de Favelas do Rio de Janeiro (Faferj), organizou e apoiou campanhas eleitorais para a inclusão e participação de mulheres faveladas no mundo da política e nos anos 90 conheceu a luta das Mães de Acari.
Em paralelo à pauta de Direitos Humanos, ele continuou os seus trabalhos voltados para a cultura e escrevendo suas poesias. Também foi nos anos 90 que ele iniciou o seu trabalho voltado para o esporte na favela de Acari. “Já atendemos mais de 2 mil crianças e adolescentes da favela de Acari no nosso Clube de Futebol. Também trabalhamos com futebol feminino, com até 7 categorias. Em 2013 e 2014, começamos a levar mais a ideia de formar jogadores preparando mais tecnicamente. Em 2017, começamos a trabalhar no núcleo de base do caxiense na terceira divisão. Mas ainda temos uma estrutura muito precária.”, explicou.
Com essa trajetória política, além de ser um grande articulador cultural e do esporte, em 2019, com apoio da organização internacional Front Line Defenders, publicou o seu primeiro livro de poesias intitulado de ‘Ainda temos Dublin?’. O seu livro é repleto de poesias e contos sobre sua experiência de vida, o cotidiano da favela, as lutas do povo negro e cheio de esperança de um novo amanhã. Que sua prática e seus escritos sejam exemplo para todos nós. Viva Deley de Acari, o nosso mestre negro e favelado!