Com o 'caso Dino', deputados bolsonaristas reeditam tática de criminalizar política em favelas
A insistência de parlamentares bolsonaristas em convocar o ministro da Justiça, Flávio Dino, para explicar uma visita ao Complexo da Maré, no Rio, reacendeu o uso de um expediente que ocorre também nos legislativos locais: a visão preconceituosa de comunidades como locais estritamente vinculados à criminalidade e a falsa associação de políticos que atuam nessas regiões com facções. Apenas no caso do integrante da Esplanada, 13 requerimentos foram apresentados. Desde 2020, episódios semelhantes ocorreram no Rio e no Paraná.
O movimento de questionamento da agenda do ministro foi iniciado por Eduardo Bolsonaro (PL-SP) nas redes sociais e seguido, na Câmara, por outros deputados da base bolsonarista. Os textos traziam argumentos de que a área é “sabidamente” controlada por facções criminosas. A deputada Chris Tonietto (PL-RJ), por exemplo, questionou se foi necessário “solicitar autorização a alguma organização”.
Durante audiência na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o deputado Carlos Jordy (PL-RJ) chegou a argumentar que o Complexo da Maré é dominado pelo tráfico, o que tornaria razoável a dúvida sobre o motivo da visita:
— É o local de maior concentração de armas de guerra do Brasil e de maior distribuição de drogas para Niterói, Baixada Fluminense e Região dos Lagos.
Dino rebateu a fala afirmando que se tratava de preconceito e afirmou que continuará visitando as periferias do país. O ministro acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a inclusão no inquérito das Fake News de alguns parlamentares que fizeram a vinculação — um deles, segundo Dino, foi Deltan Dallagnol (Podemos-PR).
A tentativa de criminalização dessas agendas também foi usada em 2021 pelo ex-vereador Gabriel Monteiro, cujo mandato foi cassado após acusações de assédio sexual — ele segue preso no Rio. Monteiro insinuou que o coronel Ibis Pereira, que foi comandante da Polícia Militar e à época era assessor da deputada estadual Renata Souza (PSOL), teria ligação com uma facção. O oficial havia ministrado uma palestra no Complexo da Maré.
No mesmo ano, o deputado estadual Rodrigo Amorim (PTB-RJ) usou o argumento contra Thais Ferreira, também do PSOL. De acordo com o parlamentar, ela teria ligação com o crime organizado por ter nascido na periferia e ter “cara de drogada”.
Assim como Amorim, em 2020, Alexandre Freitas (Podemos) atuou da mesma maneira contra as deputadas Mônica Francisco e Renata Souza. Na tribuna da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), ele insinuou que as duas parlamentares, que são negras e nasceram em favelas, seriam ligadas a facções. Elas apresentaram um pedido de cassação contra ele por quebra de decoro na Comissão de Ética da Casa, mas o requerimento não avançou.
Nascida na comunidade da Maré, a ex-vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018, foi falsamente vinculada a chefes do tráfico após sua morte. A tentativa de deslegitimar a trajetória política virou, inclusive, processo. A desembargadora Marília Castro Neves virou ré no Superior Tribunal de Justiça (STJ) por declarações nas redes, mas foi absolvida.
— É assim que política branca de direita entende o pobre no Brasil: como parte de uma engrenagem menor. Tudo que vem da favela é criminoso, o que é fruto do racismo estrutural — afirma Ricardo Tassilo de Albuquerque, especialista em Antropologia Social e Letramento Racial pela UFRJ.
“Racismo cotidiano”
O historiador Derê Gomes, liderança da Federação de Favelas do Estado do Rio de Janeiro, acrescenta que as visitas a comunidades muitas vezes ocorrem para “encontrar lideranças que fazem um trabalho que deveria ser feito pelo poder público”:
— Ser associado ao tráfico e à criminalidade é mais uma marca do racismo cotidiano.
No Paraná, o deputado estadual Renato Freitas (PT) vem protagonizando um embate contra o bolsonarista Ricardo Arruda (PL), no qual é acusado rotineiramente de defender bandidos, quando se refere a moradores (e seus familiares) que morreram em conflitos policiais.