'Cai em depressão', afirma estudante afroindígena que denunciou assédio moral sexista e racista de professor da PUC-Rio
"Cai em depressão, tive crise de ansiedade, estou à base de remédio", relata Luisa de Araujo Tavares, 27 anos, aluna do mestrado em Ciências Sociais na PUC-Rio. A estudante afroindígena aguarda uma posição da instituição após o episódio ocorrido durante a aula de Teorias do Brasil, dia 27 de maio deste ano. Luisa conta que foi vítima de assédio moral sexista e racista — como informou o colunista Ancelmo Gois — pelo professor da disciplina que é branco:
— O debate estava em volta da pauta LGBT. Em alguma medida, o texto (que estava sendo debatido) basicamente dizia que figuras públicas abertamente LGBT têm pensamento conservador e eu disse que o texto estava colocando algo muito similar com a estratégia do governo Bolsonaro, de pegar figuras que fazem parte de minorias sociais, mas que reproduzem o discurso que atende à branquitude, ao cis-hétero patriarcado, e que isso era uma forma de apagamento e invisibilização. Mas eu nem consegui terminar minha frase porque ele me interrompeu e começou a gritar, gritando mesmo, na frente da turma inteira. Logo depois, uma aluna branca do programa pediu para fazer uma pergunta a mim. Ele não deixou e disse que eu não falaria mais nada. Isso aos berros. No final da aula, pediu desculpas à aluna branca.
A estudante, que é formada em Direito, relatou ainda que o professor impediu que ela continuasse a falar até o final da aula:
— Ele disse que minha fala não trazia propriedade nenhuma, que eu não tinha nenhum embasamento teórico nem argumento político válido, que tudo não passava de discursinho moral, militante da minha cabeça. Que não adiantava eu me pintar de boazinha e pintar o Bolsonaro de malvado e que nada do que eu estava falando seria considerado. Isso aos berros. No final, disse que ele era o professor, iria comandar a aula e eu não podia falar mais nada.
Luísa ressalta que o caso foi apenas o estopim de uma situação e que o professor já demonstrava um posicionamento "resistente e mais belicoso".
— Somos a primeira turma de ações afirmativa desse programa. Eu e outros alunos pretos e indígenas já tínhamos questionado a ementa bibliográfica do curso que não trazia Lélia Gonzalez, Abdias do Nascimento, sociólogos, intelectuais, pensadores negros, indígenas, LGBT, que também fazem parte da formação brasileira. A bibliografia é majoritariamente branca. A questão do debate racial sempre teve muita resistência. Uma vez ele disse que era aula de pensamento político brasileiro e não sobre pensamento racial. Também já havia feito comentários ácidos para mim, do tipo que eu sempre tinha algo difícil e complicado para dizer.
Em setembro, o professor enviou um email à estudante, dizendo que havia conseguido o endereço com o diretor do departamento. Na mensagem, disse que o “incidente relatado” havia "ganhado uma proporção que escapa -acredito - aos interesses do bom ambiente acadêmico". Disse ainda que considerava Luisa uma "aluna promissora e que pode desenvolver um trabalho consistente abordando sociologicamente os temas que te inquietam". O professor também se desculpou, disse que não teve intenção de ofender a estudante e sugeriu uma conversa com a jovem: "Se você quiser, podemos conversar (esta sexta-feira às 14h?) onde poderei te ouvir a respeito de seu desconforto com o ocorrido. Um encontro pessoal e amistoso, sem mais interferências pode ajudar a que a “vida” volte ao “normal”."
— Nunca respondi esse email porque é continuação pura de tudo. Diante de um caso dele, em hipótese alguma o contato da vítima é dado ao agressor que está com denúncia em desfavor dele — ressaltou Luisa.
O caso foi levado, em junho, ao Departamento de Ciências Sociais da universidade, através de uma carta assinada em conjunto pela Frente Antirracista da Universidade, o Coletivo de Alunos Pretos do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCIS) PUC-Rio e a Turma de Mestrado 2021 PPGCIS PUC-Rio. Uma carta aberta também foi divulgada nesta terça-feira, denunciando discriminação racial e assédio de gênero. O documento é assinado por todos os coletivos, diretórios e centros acadêmicos da PUC-Rio, pela União Estadual dos Estudantes do Rio, pelas deputadas Renata Souza, Talíria Petrone e Monica Francisco.
O Globo