O músico Evaldo Rosa dos Santos, de 46 anos, não foi a única vítima fatal da ação de militares neste fim de semana. Na madrugada de sexta-feira, Christian Felipe Santana de Almeida Alves, de 19 anos, foi morto pelas costas, durante uma blitz do Exército na Estrada Pedro de Alcântara, em Realengo, na zona oeste. Especialistas em segurança pública e direitos humanos questionam a atuação dos militares.
“Não foi o primeiro incidente”, disse a deputada estadual Renata Souza (PSOL), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa. “Na semana passada, um jovem foi assassinado pelas costas. Precisamos saber se já estamos vivendo a política do abate.”
A deputada está entrando com uma representação junto ao Ministério Público Federal, pedindo a investigação dos dois casos.
Santana estava na garupa da moto de um amigo de 17 anos. Segundo o Comando Militar do Leste (CML), os jovens não obedeceram à ordem de parada na blitz que teria sido dada pelos militares e furaram o bloqueio, sendo alvejados. A família do jovem contestou a versão.
Na tarde de domingo, o carro dirigido por Evaldo Rosa dos Santos foi atingido por mais de 80 disparos, em uma ação de militares que supostamente teriam confundido o carro dele com o de criminosos que agiam na região. O sogro de Evaldo, que estava no banco do carona, ficou ferido.
“A gente precisa entender se são dois fatos isolados ou se essas ações já estão refletindo uma mudança de atitude no comportamento de soldados e policiais na ponta, que já estariam respondendo com o uso de muita violência mesmo em situação de dúvida”, afirmou a cientista social Silva Ramos Amorim, do núcleo de violência da Universidade Cândido Mendes, que coordenou o Observatório da Intervenção. “A ideia de que atira primeiro e pergunta depois, da lei do abate, de que se for bandido é legítimo matar já estaria tendo reflexos nos homens que estão nas ruas?”
As especialistas se referem à política de segurança pública defendida pelo governador Wilson Witzel, que defendeu em diversas ocasiões a lei do abate. O governo estadual não quis comentar as análises e limitou-se a dizer que “tem certeza” de que o caso está sendo apurado com rigor pelo Exército.
“É cedo ainda para dizer que há uma correlação direta, mas o episódio deve ser visto com preocupação; acendeu a luz amarela sobre os excesso no uso da força”, disse Sílvia Amorim. “Eu sei que os dois episódios têm dinâmicas muito diferentes, mas há protocolo para tudo.”
Pesquisador e ouvidor da Defensoria Pública, Pedro Strozemberg também questionou a ação militar de domingo.
“É de um despreparo absoluto”, afirmou. “É claro que haverá ainda investigação e ela é fundamental, mas 80 tiros de fuzil em uma viatura sem confirmação plena de que se tratava de uma ameaça extrema aos agentes públicos é um absurdo.”
Outra questão questionada pelos especialistas é o fato de a investigação do caso estar a cargo da Justiça Militar, sob supervisão do Ministério Público Militar.
“Acho muito grave”, resumiu Sílvia Ramos Amorim, que coordenou o Observatório da Intervenção durante a ação de militares no Rio, no ano passado. “A Justiça Militar já deu provas, no passado, de que é extremamente corporativa, parcial e injusta. Tivemos dois casos em 2018, no Salgueiro e na Chatuba, durante a intervenção, em que houve evidências claras de excesso de uso da força, mortes e invasões de casas e nada foi feito.”
Em 13 de outubro de 2017, o então presidente Michel Temer sancionou a Lei 13.491, que amplia as possibilidades de militares acusados de crimes cometidos no exercício da função passarem a ser julgados pela Justiça Militar, mesmo em caso de as vítimas serem civis.
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