A farsa da narrativa que afirma existir “preconceito” contra Ceciliano - por Mauro Lopes
Não há preconceito de setores da esquerda contra Ceciliano. O que ele e seus defensores pretendem fazer é desviar a atenção do tema da aliança do candidato do PT ao Senado com Cláudio Castro e suas boas relações com o bolsonarismo no Rio
Surgiu na última semana uma narrativa segundo a qual o problema com a candidatura de André Ceciliano ao Senado pelo PT no Rio seria um suposto “preconceito” de setores da esquerda por ele ser nascido e ter origem política na Baixada Fluminense.
A narrativa foi engendrada pelo próprio Ceciliano e amplificada por segmentos do PT e jornalistas aliados ao grupo Ceciliano-Quaquá. Bem, todo mundo tem direito a construir sua narrativa. Mas esta é insustentável e tem como único objetivo confundir e desviar a atenção para o tema que incomoda: a aliança de Ceciliano com Cláudio Castro, o mais bolsonarista dos governadores, e suas boas relações com o bolsonarismo no Rio de Janeiro.
Vamos separar as coisas. Como afirma o dito popular, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.
Uma coisa é: o PT escolheu Ceciliano como seu candidato ao Senado no Rio. No contexto da aliança com o PSB, é inaceitável que o deputado Alexandre Molon, com apoio de líderes de seu partido, sustente uma candidatura que, na prática, torpedeia um acordo legítimo.
Outra coisa é a trajetória de Ceciliano e suas alianças no Rio de Janeiro que, obviamente, causam incômodo (para dizer o mínimo) a qualquer pessoa que tenha compromisso com a esquerda
Para evitar a confrontação com o lugar político de Ceciliano, na última semana inventou-se essa tese do “preconceito” contra seu lugar geográfico.
Sim, de fato Ceciliano é da Baixada. Nasceu em Nilópolis filho de uma dona de casa e um comerciante. Ele foi prefeito de Paracambi, também na Baixada Fluminense.
Pois bem. Por qual razão pode-se alegar preconceito partido da esquerda contra Ceciliano por esta origem.
Vejamos.
Benedita da Silva é filha da lavadeira Maria da Conceição Sousa da Silva, e do pedreiro e lavador de carro José Tobias da Silva. A família vivia na favela da Praia do Pinto, também no Rio e logo que Benedita nasceu mudou-se para a favela do Chapéu-Mangueira. Ainda menina, ela vendia limões e amendoins pelas ruas da cidade. Não me recordo de alguém haver lançado em qualquer momento da bela e brilhante trajetória de Benedita da Silva a acusação de preconceito de setores da esquerda.
Luiz Inácio Lula da Silva nasceu em Caetés, Pernambuco, em família paupérrima e, criança, acompanhou dona Lindu na migração para São Paulo, onde morou com a mãe e os irmãos num cômodo atrás de um bar localizado na Vila Carioca. Também não me recordo de Lula ter sofrido preconceito na esquerda em sua trajetória de migrante-metalúrgico-presidente.
E quanto a Marcelo Freixo? Se Ceciliano nasceu na Baixada, o candidato da coligação no Rio nasceu em São Gonçalo, filho de um inspetor escolar e uma secretária. Freixo foi criado no subúrbio de Niterói, no bairro do Fonseca. Não me consta que ele tenha se queixado alguma vez de preconceito da esquerda maripor sua origem.
Marielle Franco nasceu e foi criada no Complexo da Maré. Há alguma acusação de “preconceito” na esquerda por este fato?
A questão não é a origem de Ceciliano, nunca foi. A questão é sua trajetória e política de alianças.
Escrevi uma breve reportagem recentemente sobre o candidato do PT ao Senado mostrando como ele é um aliado em tempo integral de Cláudio Castro e de líderes bolsonaristas no Estado.
Sugiro aos que inventaram a narrativa de "preconceito" que vasculhem os perfis de Ceciliano nas redes e encontrem uma crítica direta dele a Castro. Eu não achei.
Não há registro de uma crítica sequer de Ceciliano a Castro, nem mesmo quando o governador, no fim de maio, referiu-se às pessoas assassinadas por policiais durante a chacina do Jacarezinho como “vagabundos”. Na Chacina do Jacarezinho foram mortos 27 moradoras e moradores e um policial.
Ao contrário, o que há são frequentes cenas de afagos entre os dois, com direito a beijos fraternais. O presidente da Assembleia justifica os gestos afirmando que é seu “jeito de ser”. No entanto, não há registro de beijos de Ceciliano em Freixo.
Apesar de Ceciliano afirmar sua relação meramente protocolar com Castro, ele seria, segundo políticos do Rio, o padrinho do secretário de Obras do estado, Rogério Brandi. Ceciliano nega, afirmando sequer conhecer o secretário. Mas Brandi afirmou recentemente à Coluna do Estadão ter "relação de amizade de anos" com o presidente da Assembleia petista e que, por conta disso, tem “procurado atender a todos os pleitos do parlamento estadual".
Veja, se ainda não viu, algum fotos de Ceciliano com Castro que circulam nas redes sociais, além daquela que ilustra o alto desta reportagem:
Ceciliano diz apoiar Freixo, mas está em campanha por uma “chapa” Castro-Lula. Isso mesmo. Em diversas entrevistas, Ceciliano tem alardeado a existência de um suposto voto “Lula-Castro” no Rio e não esconde sua simpatia pela fórmula que segundo ele, seria “natural”. Ceciliano não se contenta com declarações sobre o tema, mas começa a participar ativamente de um movimento de uma “aliança” única no país entre o bolsonarismo e o PT. Ele tem comparecido a seguidos eventos com Castro, como este:
Veja aqui Castro em oração profunda por Bolsonaro na convenção do PL no Maracanãzinho em 24 de julho:
Esta é a questão a que Ceciliano e seus apoiadores precisam responder. Como explicar sua aliança com o bolsonarista Cláudio Castro enquanto ele jura estar com Freixo? E não a conversa fiada do “preconceito”.
O escândalo dos R$ 615 milhões de Castro
O governo Cláudio Castro está imerso num escândalo gravíssimo: o das 18 mil pessoas contratadas em cargos secretos pelo Centro de Estudos e Pesquisas do Estado (Ceperj) e que recebiam do mesmo jeito que a “rachadinha” do clã Bolsonaro, na boca do caixa, em dinheiro vivo. O esquema é de sustentação da maior rede de cabos eleitorais com dinheiro público que se tem notícia -fala-se em até 27 mil pessoas envolvidas.
De acordo com o Ministério Público, foram gastos criminosamente com a rede de cabos eleitorais R$ 288 milhões e projetava-se um total de R$ 615 milhões até o fim do processo eleitoral, se a Justiça não tivesse suspendido os pagamentos.
Pois bem. O que fez o presidente da Assembleia Legislativa até agora em relação a um dos maiores escândalos da história do Rio de Janeiro? Nada. Mais uma vez: vasculhem-se os anais da Alerj, as redes sociais e as entrevistas de Ceciliano. Eu não fui capaz de encontrar uma crítica ou ação contra o descalabro.
Por sinal, paira uma densa nuvem de silêncio na Alerj sobre o escândalo. As exceções são Martha Rocha (PDT), Renata Souza (PSOL), Flavio Serafini (PSOL) e Eliomar Coelho (PSB), que fizeram representação ao Ministério Público para que o escândalo seja investigado.
Em vez da nuvem de fumaça do “preconceito”, seria interessante os que esposam a tese e o próprio Ceciliano saírem a público para defender suas relações com a base bolsonarista no Rio.
O "irmão" Rodrigo Amorim
A relação de Ceciliano estende-se a outros líderes do bolsonarismo no Rio, como o próprio filho de Jair, o senador Flávio Bolsonaro (PL-Rio) e o deputado estadual Rodrigo Amorim (PTB).
Rodrigo Amorim ficou conhecido por, ao lado de Daniel Silveira e Wilson Witzel, na campanha de 2018, ter partido ao meio uma placa com o nome de Marielle Franco, mencionada logo acima.
Veja:
Em 16 de julho, sob a liderança de Amorim, um bando truculento e armado atacou uma atividade da pré-campanha de Freixo e da esquerda na Praça Saens Pena, localizada no bairro da Tijuca.
Houve protestos generalizados. Ceciliano soltou uma nota sobre o ataque. Leia:
“Fiquei sabendo há pouco da agressão sofrida pelos companheiros que acompanhavam o deputado Marcelo Freixo e a deputada Jandira Feghali, esta manhã, durante caminhada na Praça Saens Pena. Eles fizeram bem em não aceitar a provocação. Falei com a Jandira e ela disse que vai fazer um registro formal da agressão na polícia. Essa política do ódio não pode prevalecer. Esse tipo de marketing do mal tem consequências nefastas, vide o que aconteceu com o companheiro de Foz de Iguaçu. É preciso frear urgentemente essa escala da violência. A esperança e o amor precisam vencer o ódio.”
Notou a falta de algo? Não há menção ao nome de Rodrigo Amorim, o “irmão" de Ceciliano.
A relação de Ceciliano com a direita e a extrema direita fluminense não é nova. E os petistas sequer podem alegar desconhecimento.
Em 2017, a Executiva Regional do PT suspendeu os direitos partidários de Ceciliano, inclusive sua filiação, por seis meses, depois que ele apoiou o pacote neoliberal de austeridade enviado pelo então governador Pezão à Alerj. Não apenas isso. Ceciliano sofreu antes do caso Pezão uma censura pública do partido por ter, segundo a própria nota do PT em 2017, contrariado a posição do partido contra a privatização da CEDAE (a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro). Diz a nota: “Já houve o episódio da lei que autoriza a privatização da CEDAE, na qual André Ceciliano votou contra a orientação do partido e da bancada”.
A narrativa do “preconceito” serve ao objetivo político de sustentar a candidatura Ceciliano ao Senado pelo Rio e, ao mesmo tempo, cria uma justificativa emocional para o apoio ao presidente da Alerj. De quebra, engana os incautos.
O PT tem o direito de lançar Ceciliano ao Senado? Evidentemente que sim. O PT tem razão em cobrar do PSB obediência ao acordo político firmado entre as duas siglas e exigir a retirada da candidatura Molon? Certamente.
Mas o PT não tem como escapar de prestar contas ao eleitorado sobre a trajetória de Ceciliano. Não há nada demais nisso. A trajetória de cada candidato está sempre -e deve estar- sob o olhar das eleitoras e eleitores. Isso vale para Lula, Alckmin, Haddad, Olívio Dutra, Camilo Santana… Porque não valeria para Ceciliano?
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